sábado, 6 de outubro de 2012

NUVEM PASSAGEIRA - Maysa Machado




















Do mundo nada se leva.
Enquanto ficamos por aqui, há os encantamentos da nuvem que passa, sonhos, anseios, esperanças...
e uma tal felicidade que se transforma em amor ou dor!

 Santa Teresa, 04 de outubro de 2012.
Maysa

sábado, 22 de setembro de 2012

CASA DA INFÂNCIA - Maysa Machado


foto Paulo Camarão






CASA DA INFÂNCIA


                                                                                           Maysa Machado


As recordações surgem em cada um de nós com cheiros, cores e sons. A casa da infância é um mundo para sempre mágico.
Lá na minha, a mais antiga das que morei, ficou gravada a voz de minha avó materna. Ora, solene e doce contando-nos histórias da carochinha, antes de dormirmos, ora ativa e apressada chamando-nos para a merenda servida à tardinha, entre quatro e cinco horas.
Na primeira, o quase sussurro das folhas percorridas, com elegância por ela, buscando no grosso livro, cheio de histórias, alegrias e medos que iam sendo despertos; nossa curiosidade em ver as ilustrações em bico de pena, lindas e detalhadas, conquanto parcimoniosas em quantidade, pois no tempo da minha infância o texto prevalecia.
Na segunda, a voz solta expressando uma ordem mais que um convite: — Crianças venham merendar! Ou: — Crianças a merenda está pronta.
E, então o cheiro de mate quente, em minha memória, toma conta da cena. A luz do dia que se abrandava, a roupa suada da brincadeira de pique, a mão lavada antes de sentar à mesa, e o rosto ainda fumegante e vermelho da correria, tudo misturado à incerteza pelo o quê a noite ia nos oferecer.
O brilho da noite e das estrelas, associado ao mistério de viver.
Criança tinha hora para dormir, criança obedecia aos mais velhos. Um adulto, em quase todas as famílias, ficava disponível para contar, ou inventar histórias.
As do meu pai eram aventuras pelos caminhos da fazenda em que nasceu e vivia desde pequenino. O rio, o banho nas águas frias e passageiras. A bola de meia de todo garoto esperto.
As aventuras de subir em árvores e colher seus frutos proibidos pela altura em que estavam. O gosto de pegar a fruta no pé e sorver seu sumo, ou seu travo de cica antes do tempo.
As histórias de uns misturadas as dos outros.
 Surpresas e inquietações movidas pela saudade do que foi ficando para trás, lá na infância, um lugar mágico e distante do que hoje habitamos. Os adultos em que nos transformamos, feitos de pressa e ordens para cumprir e repassar.
Nós morávamos na infância, hoje, ela apenas nos visita.

Santa Teresa, 22 de setembro de 2012.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

TRILHOS EM DESUSO - COMPASSO DE ESPERA - Maysa Machado

foto Sonia Simões













TRILHOS EM DESUSO - COMPASSO DE ESPERA -

                                               Maysa Machado

O “rango” acabou. É preciso sair. 
Santa não tem mais padaria, nem horti fruti tem, por aqui. A música que ia e vinha, entrecortada ou embalada pelo sacolejo estridente do bondinho amarelo, mudou de horário. O piston toca em surdina, os homens da política agem em segredo. Compram, vendem, oferecem, viajam... Tentam copiar soluções de fora.
As pessoas se juntam e se dispersam. Encontros, desencontros. Buscas e desânimos. Os trilhos dos bondes correm paralelos, e em poucos trechos misturam-se o ir e o vir. Um dos mais belos grafismos urbanos.
Claro, tempo e espaço resolvem quase tudo ou resta-nos a espera desolada desse cotidiano sem rumo.
 E o rumo? O que foi feito das linhas, trilhos sem linhas, pés que pisam o frio trilho... Não range mais sobre os trilhos o velho e serelepe bonde. A faísca e o brilho? Escondem-se.
Enquanto isso, enquanto aquilo. 
O entre não se dissipa antes do tempo.
Entra e sai. Vai e vem.
 — Cadê você?
—Estou aqui, não me vê?
—...
—Estou aqui, dentro, ocupando o teu coração.
E não são mais trilhos afiados, feito navalha, que cortam o bairro, ânsia de trem - sem o apito, com muito dem-dem.
O silêncio é cortante. O trilho está aí, mas o trem, o bonde? Onde? Onde?
Um maquinista ficou até o último instante. Até a última viagem.
Estribos... Em movimento descem os passageiros, sobem os passageiros. Desciam. Subiam.
Uns e outros viajam Viagem única para uns, era diária para outros. Derradeira pros que ficaram na curva da rua principal.
Vamos juntos rever os caminhos de prata. Segui-los, mostrar que estão emaranhados, paralelos em retas subidas e descidas, e, volteios sinuosos que, ainda, aguardam o bonde, as pessoas, os forasteiros, as risadas e o frescor do bairro que, por ora, amanhece sem alegria...
Santa Teresa, 07 de setembro de 2012.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

DO QUE RECOLHI DO AMOR... Maysa Machado


foto Marcos Estrella/agosto de 2012













DO QUE RECOLHI DO AMOR...


                                      Maysa Machado


Amo você. E por amar, assim quieta e cordata
intenso é o sentir, o efeito de dar, compartir.
Amo Você.
Amor - Nutrido, capturado em ânsias e êxtases.
Porque a gente ama quem sequer vê a gente?
Por quê?
Amor - Desapercebido no conjunto das emoções,
 dos sonhos... Como a gente sente e acha que é.
E porque amar sozinha?
Amor precisa de troca, afeto e compaixão.
Amor precisa de amor. Atenção e cuidado.
Encantamento e admiração pelo amado.
Para ser feliz no Amor...
Importa nutri-lo
parte de confiança, parte de parceria.
 É... Amor não se pede emprestado, nem se quer enganado.
Amo Você.
Amor solitário e triste.
Comovido amor. Findo, mais que findo.
No justo ponto vital, do existir.

Santa Teresa, 22 de agosto de 2012

Com um abraço a todos que passam.
 A foto do Rio Amanhecendo, de Marcos Estrella, me comove pela beleza e a plenitude de significados.

Maysa

sábado, 18 de agosto de 2012

ESTRELAS MATUTINAS - Maysa Machado

Sharon Johnstone/photo












ESTRELAS MATUTINAS

                                                Maysa Machado

Pescar estrelas durante o dia
só podia dar nisso. Nenhuma à vista.
Eliminada a surpresa, resta-nos a frustração.
Também, pra que tanta insistência?
Metáfora perfeita. Nova decepção.
Alguma coisa rachou, e não foi o concreto esmagado
nem o ferro exposto nas construções superfaturadas.
É do interior, da ordem do desencanto.
Da dor intensa no estômago
Dor de silêncio.
Emoção estagnada não flui para a troca.
Mais nada refaz.
Explodem lagrimas
e
secam, secam.
Tempero do espírito
na face salgada.

Santa Teresa, 18 de agosto de 2012.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A ESTÁTUA DE CHOPIN - Maysa Machado

    foto roberto machado alves




  Essa estátua do Chopin tem feito parte da minha vida.
  Quando estudava na Fnfi *, anos 60, estava defronte ao Teatro Municipal, no Centro do Rio, na Pça da Cinelândia.
 Rubens Braga tem uma crônica, acho que "Borboleta Amarela", que cita a estátua, ainda, nesse local.
  Anos depois, na década de 70, casada, fui morar no bairro da Urca, lá meus filhos nasceram, e  juntos, frequentávamos a pracinha do Quadrado - Pça. Cacilda Becker.
  Tudo bem, tempos felizes misturados com angústias e sofrimentos. Anos difíceis anos de chumbo, amigos raros, sem notícias de muitos. Outros desaparecidos para sempre.
  A natureza exuberante fazia com que a jovem mãe caminhasse, buscasse no azul do céu respostas, e no mar de ondas mansas, da Enseada de Botafogo, na baía de Guanabara: Paz e Harmonia.
  Pois bem, levava os meninos, um com dois e o outro com sete meses, para brincarem na Pça da Praia Vermelha. As ondas do mar acalmavam minhas angústias, as crianças libertas tomavam o sol da manhã.
  A dupla jornada foi amenizada, saí do horário integral no trabalho, para ficar durante as manhãs com meus filhos.
  Nessa época só o mais velho corria e ganhava o mundo, descobria limites. Quase sempre dos outros...
  Num determinado período a pracinha, onde brincavam, ficou interditada por obras da Prefeitura. Os meses passaram. Mudei o roteiro das caminhadas.
  Concluída a obra, voltei à praça, que ostentava brinquedos novos: balanços, escorrega, gangorra e aquelas construções tubulares para subir e se pendurar.
  A estátua não estava mais instalada sobre o chão de terra batida, tão coloquial, como se escultura não fosse, e sim um homem pensativo... Ao invés de olhar para o mar, buscava a si mesmo.
 A estátua, agora, estava sobre um pedestal.

  E rápido com os cachos dourados, esvoaçando ao vento, movimentados pela corrida – quem recém aprende a andar... Voa – meu filho, mais velho, estanca.
 Para. Olha. Reconhece e diz:
— Desce daí!
A estátua desobediente continua lá, e vocês podem lembrar, quando forem à Praia Vermelha, graças ao Rubens Braga, que não me deixa mentir... Que até as estátuas, de uma cidade, fazem parte de nossas vidas. 



 * Faculdade Nacional de Filosofia, da antiga Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro.


Grande abraço 

Maysa

domingo, 5 de agosto de 2012

SENTIMENTO ESMAGADO - Maysa Machado













     Começo de manhã. Leio desatenta as notícias do jornal.
Um prédio ameaça cair em Niterói. Ganância? Falta de conservação? Perplexidade e temor nos poucos depoimentos lidos...e o espanto.
Termino a leitura, de coração triste.




SENTIMENTO ESMAGADO

                                                   Maysa Machado

Ferros expostos
Concreto esmagado
Construção e(m) risco.
A casa cai?
Ameaça cair.
Espanto.
A dor não sai no jornal
- disse o poeta.
Um coração a mais
Partido. Banal.
Um coração.
Desiludido poeta?
Ninguém conhece
Sentimento alheio.
Nem pensamento...
É perverso
Do jeito que tudo acontece.
Existência posta ao lado
Dentro da sombra...
Até solidão desconhece.
O outro desconhece.
Entrego-me, busco afago.
A troca nunca é possível.
Sombra e solidão são testemunhas.
Construo-me no risco.
Sob o espanto de um fingimento.
O amor esmagado no concreto
Nervos expostos.                                            


Santa Teresa, 05 de agosto de 2012.

Forma e sentimentos andam juntos, por vezes. Um abraço de Domingo.
Maysa

sábado, 4 de agosto de 2012

Breve comentário sobre a exposição : A Arquitetura Portuguesa no Traço de Lúcio Costa - Maysa Machado

















Breve comentário sobre a exposição: 
A Arquitetura Portuguesa no Traço de Lúcio Costa

                                                                                         Maysa Machado


  A exposição A Arquitetura Portuguesa no Traço de Lúcio Costa - Bloquinhos de Portugal, está na Caixa Cultural do Rio de Janeiro. É comovente.
  Para mim bastou entrar na galeria, seguir olhando, lendo, ouvindo. Assistir ao pequeno vídeo, e um súbito encantamento assoma nos registros recuperados das duas viagens, 1948 e1952, feitas pelo arquiteto, há mais de sessenta anos.
  Aos que, por distração ou falta de oportunidade, ainda não foram... Corram, é só até Domingo. Para os que não residem no Rio posso afirmar: Perderam momentos de fina sensibilidade.
O traço despojado, preciso, leve de Lucio Costa (1902-1998) reproduz volumes, côncavos e convexos, saídos da pedra, madeira, ferro... Percursos e buscas resgatados com técnica e poesia, nos cinco bloquinhos.
  Em instante comovido senti o transpassar do tempo que separa o momento inaugural, aquele do olhar e do fazer, desse da fruição do olhar, e, tudo, ainda, tão marcante.
  Essa busca, esse encontro, detalhes de sua obra, através de um tempo que mantém, esquece ou modifica lugares, pessoas e hábitos.
Debruçado, solitário, há sessenta anos indaga, pesquisa sobre as raízes da Arquitetura no Brasil. Cria.
 Perdem-se os bloquinhos e nunca mais, Lucio, os reencontra. Depois de sua morte a entrega, o compartilhar para cada observador. Graças à dedicação das filhas, Maria Elisa e Helena, e do curador José Pessoa, que refaz o roteiro das viagens em 2011.

A belíssima mostra fala da escolha, da pesquisa sobre as origens, e descobre a autenticidade em nossas soluções arquitetônicas.  Consagra essa releitura a legitimidade, com intensa poesia e precisa tecnologia.
  O olhar contemporâneo se debruça diante do solitário olhar de Lúcio, e agradece.

Insisto não percam.

Grande abraço

Santa Teresa, 2 de agosto de 2012.
Maysa

domingo, 29 de julho de 2012

ELA ESPIA E CEIFA - Maysa Machado









Não há nada que possa remediar a perda de um amigo querido. O tempo, talvez, costure as feridas, uma às outras, e apresente a ilusão de curar o sofrimento. Perdas são provocações definitivas. Esse jogo entre a vida e a morte será que nos força ao crescimento constante? Há que conviver com perdas irremediáveis.
Num átimo o fim arranca, ceifa toda conquista afetiva, soma de uma vida inteira.



ELA ESPIA E CEIFA

                                           
Maysa Machado


                                Dedicado à AC.


A tristeza arisca avança
Fria ausência de troca e afeto.
Mãos que se vão para sempre.
Mãos afetuosas desfeitas.
Desaparecendo no espaço...
O que se vê ou se toca.
Nada mais é.
Ausente o gesto.
Mãos, agora, intocáveis.
Ausência sem forma de mão.
Nem mais abraço.
Possível só a lembrança.
O sentimento brota.
Por que tanta partida?
Por que o fim se explica
E não é aceito?

O fim definitivo para tudo e todos
...Mas não é um.
Todo dia é mais um.


Santa Teresa, 29 de julho de 2012.
Último Domingo de julho de 2012.
Maysa 

domingo, 15 de julho de 2012

INVERNO CARIOCA - Maysa Machado


Tina Modotti - Glasses














Inverno Carioca


                                  Maysa Machado


Um dia vai passar essa insônia.
Essa agonia. Os dias vão ficar
cinza, sem brisa no ar.
Parados como a vida.
A que se esconde ao visitante
Ao curioso, ao passageiro.

Um dia vai acabar. Os tristes dias
de janeiro a dezembro,
sem folga nem folguedo,
escoam por fina areia. Calendário inquieto
como só a solidão pode traçar.

Buracos, vazios, medos, silêncios fora de hora.
Esperanças quebradiças, frágeis desejos.
O que mais nada transforma é, agora,
soberano.
Assume o poder de travar o amor e afugentar,
de vez, a alegria.

Santa Teresa, 15 de julho de 2012.


Refletindo sobre o inverno...
Abraço 
Maysa