sábado, 27 de junho de 2009

JOÃO GUIMARÃES ROSA e EU



Hoje, só ROSA e eu.

No caminho defrontamos veredas, no pensar recompomos a escuta. Tudo isso é possível em
Guimarães Rosa.
O professor não é o que ensina é o que aprende junto.
Do regional, o particular jeito de ser brasileiro. ROSA, atravessa-nos com sua obra, até aproximar-nos do país e seu vasto e fundo sertão. Está dentro de nós. Os mistérios da condição humana, indissociáveis, emergem todos alí.

Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.

Nasceu Guimarães Rosa no final do mes de junho, o ano...1908.
Muito tempo e livros depois constatei que o escritor e eu nasceramos no mesmo dia. Primeiro senti-me honrada e orgulhosa com a coincidência.
Com o passar dos anos é frequente associar o próprio nascimento, aos fatos e pessoas em nosso entorno ou até quem nunca tenhamos visto, para entender a época e circunstâncias em que viemos a este mundo.

À cada aniversário descubro analogias novas. Ora o foco é familiar, nascimentos, mortes, idades e contingências, ora é público.
Assim, foi com ROSA. Dele tenho livros, pensamentos, entrevistas, correspondências com tradutores. Curiosidades fui juntando. Os gatos, a língua francesa, o lado duro e árido de, sem volteios, colocar reflexão!
Um brasileiro do interior de Minas, nascido em Cordisburgo, no início do século passado.

Formado em Medicina, andou por muitas vilas e lugares, ouviu relatos.
Ouviu e viu o modo de expressão do homem simples... reverenciando, com dignidade, aquele doutor atento.
Virou diplomata, conheceu outras culturas. Revirou a nossa língua, na forma e no âmago. Sua obra reverencia, também, a sabedoria dos Riobaldos, aponta para fragilidade e astúcia de que se constitui, a condição humana.
Esse doutor diferente sabia ouvir, escutar e transformar em escritos aqueles personagens vivos, reais, figuras míticas, para serem do conhecimento de todos, e particularmente, dos que aqui nasceram.

Narrativa marcada pela oralidade, ROSA mudou o fazer na literatura brasileira, recriando os elos com o inconformismo, os lugares das coisas, das pessoas e dos mitos.

Ainda bem que o descobri e faço, aos sobressaltos, constantes mergulhos na inquietante viagem -aprendizado, que sua obra impõe.
Tento guardá-lo, bem fundo da minha alma, num lugar de destaque e precisão.

Aprendemos, todos, com êle:
As pessoas não morrem ficam encantadas.

Carlos Drummond de Andrade deixou-nos este poema sobre ROSA.

"Um chamado João"

"João era fabulista?
fabuloso?
fábula?
Sertão místico disparando
no exílio da linguagem comum?
Projetava na gravatinha
a quinta face das coisas,
inenarrável narrada?
Um estranho chamado João
para disfarçar, para farçar
o que não ousamos compreender?
Tinha pastos, buritis plantados
no apartamento?
no peito?
Vegetal ele era ou passarinho
sob a robusta ossatura com pinta
de boi risonho?


Era um teatro
e todos os artistas
no mesmo papel,
ciranda multívoca?
João era tudo?
tudo escondido, florindo
como flor é flor, mesmo não semeada?
Mapa com acidentes
deslizando para fora, falando?
Guardava rios no bolso,
cada qual com a cor de suas águas?
sem misturar, sem conflitar?
E de cada gota redigia nome,
curva, fim,
e no destinado geral
seu fado era saber
para contar sem desnudar
o que não deve ser desnudado
e por isso se veste de véus novos?


Mágico sem apetrechos,
civilmente mágico, apelador
e precipites prodígios acudindo
a chamado geral?
Embaixador do reino
que há por trás dos reinos,
dos poderes, das
supostas fórmulas
de abracadabra, sésamo?
Reino cercado
não de muros, chaves, códigos,
mas o reino-reino?
Por que João sorria
se lhe perguntavam
que mistério é esse?


E propondo desenhos figurava
menos a resposta que
outra questão ao perguntante?
Tinha parte com... (não sei
o nome) ou ele mesmo era
a parte de gente
servindo de ponte
entre o sub e o sobre
que se arcabuzeiam
de antes do princípio,
que se entrelaçam
para melhor guerra,
para maior festa?


Ficamos sem saber o que era João
e se João existiu
de se pegar."

Carlos Drummond de Andrade - 22/11/1967 - (Versiprosa)

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Beijos

Maysa

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