Aqui, no antes, era sossegado o lugar. Por isso, escolhi morar, e criar os filhos... De uns tempos prá cá, manhãs e noites se sucedem com excessos, marcas contemporâneas, da ansiosa presença humana.
Fins de semana, sem lei, instituem-se. Violam o ar da noite, atravessam as madrugadas montados nos possantes canhões de sons, vindos de uma casa elegante de agitos urbanos. Não é pouco. Intranqüilos, os ouvidos dos moradores aguardam os intervalos esparsos, que significam volume mais baixo; na hora em que a PM ronda a vizinhança, tentando identificar de onde vem tanto barulho.
Nos feriados, da mesma maneira, equipamentos sonoros, mais modestos, porém em decibéis exaltados, rasgam o impossível de ser rasgado. As interpretações dos artistas populares, suas vozes melodiosas se decompõem em distorções odiosas. A diversão rola na comunidade.
Não existem campanhas educativas que restituam o apreço pela qualidade do viver. Menos, ainda, as que valorizem o silêncio como mestre para algumas descobertas.
Faz pouco, a vida em seus aspectos silvestres encantava os visitantes e moradores desse trecho, do bairro de Santa Teresa. Hoje, a poluição sonora que os homens constroem é sinônimo de quase nenhuma possibilidade de convivência, no mesmo espaço, com outros homens, e com todas as aves, que ao pousarem nos galhos, apresentam seus cantares.
Cadê as balburdias canoras dos sanhaços, sabiás, maritacas, e todos que nos despertavam a cada manhã? Sorrio e me desespero. Os trinados misturando-se aos silvos ,e variados guinchos dos sagüis, dos micos estrela estão desaparecendo.
O tempo passa, leva sonhos, rotinas. As poucas certezas, que ousamos ter. Uma delas era que esse canto do Rio continuaria assim quieto, por mais anos, como sempre fora. Bucólico, feito interior esquecido, paraíso perdido.
Encantamento desfeito.
Na cidade, atualmente, as ações humanas são desempenhadas com intermináveis alaridos, altos e estridentes ruídos. Berros. Chamados exasperados, por alguém que não vem. Buzinas. Campainhas.
Pra que tanto alvoroço? Cadê o lado carinhoso de lidar com o outro, e com o espaço? A elegância do gesto? Cadê a presença da delicadeza no trato? Humanos são animais racionais. Queremos que a razão e a educação dêem conta de tudo?
Do que te queixas mulher? Ninguém mais ouve os astros, nem inventa canções ou madrigais para saborear o amor. Ninguém mais busca inspiração nos fatos vividos, ou na imaginação.
O tempo cobra pressa e admite a cópia. Aceita o falso, o precário. Devolve - te — à conta de empréstimo dos dias procurando saídas e mudanças — problemas sem solução.
Então por que ainda esperas ouvir o canto do sanhaço, do sabiá ou do bem - te-vi?
Vai levanta, corre mais um dia... Ou, menos um dia te espreita. Acorda e vai. O futuro é desconhecido, dele só duas coisas sabes.
Está muito difícil ouvir o canto dos pássaros...
Santa Teresa, 1 de novembro de 2011
Um carinhoso abraço aos que aqui chegam.
Maysa