foto Paulo Camarão
CASA DA INFÂNCIA
Maysa Machado
As recordações surgem em cada um de nós com cheiros, cores e sons. A casa da infância é um mundo para sempre mágico.
As recordações surgem em cada um de nós com cheiros, cores e sons. A casa da infância é um mundo para sempre mágico.
Lá na minha, a
mais antiga das que morei, ficou gravada a voz de minha avó materna. Ora,
solene e doce contando-nos histórias da carochinha, antes de dormirmos, ora
ativa e apressada chamando-nos para a merenda servida à tardinha, entre quatro
e cinco horas.
Na primeira, o
quase sussurro das folhas percorridas, com elegância por ela, buscando no
grosso livro, cheio de histórias, alegrias e medos que iam sendo despertos;
nossa curiosidade em ver as ilustrações em bico de pena, lindas e detalhadas,
conquanto parcimoniosas em quantidade, pois no tempo da minha infância o texto prevalecia.
Na segunda, a voz
solta expressando uma ordem mais que um convite: — Crianças venham merendar! Ou:
— Crianças a merenda está pronta.
E, então o cheiro
de mate quente, em minha memória, toma conta da cena. A luz do dia que se
abrandava, a roupa suada da brincadeira de pique, a mão lavada antes de sentar
à mesa, e o rosto ainda fumegante e vermelho da correria, tudo misturado à
incerteza pelo o quê a noite ia nos oferecer.
O brilho da noite e das estrelas, associado ao mistério de viver.
O brilho da noite e das estrelas, associado ao mistério de viver.
Criança tinha
hora para dormir, criança obedecia aos mais velhos. Um adulto, em quase todas
as famílias, ficava disponível para contar, ou inventar histórias.
As do meu pai
eram aventuras pelos caminhos da fazenda em que nasceu e vivia desde pequenino.
O rio, o banho nas águas frias e passageiras. A bola de meia de todo garoto
esperto.
As aventuras de
subir em árvores e colher seus frutos proibidos pela altura em que estavam. O gosto
de pegar a fruta no pé e sorver seu sumo, ou seu travo de cica antes do tempo.
As histórias de uns
misturadas as dos outros.
Surpresas e inquietações movidas pela saudade
do que foi ficando para trás, lá na infância, um lugar mágico e distante do que
hoje habitamos. Os adultos em que nos transformamos, feitos de pressa e ordens
para cumprir e repassar.
Nós morávamos na infância, hoje, ela apenas nos visita.
Santa Teresa, 22
de setembro de 2012.
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