segunda-feira, 8 de novembro de 2010

BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF OU DONA VIVI FAZ 101 ANOS.





BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF

OU

DONA VIVI FAZ 101 ANOS.


por Maysa Machado


Está lá. Repousa no mesmo quarto do seu apartamento no Leblon. Cabelos lisos e alvos, arrumados num gracioso rabo-de–cavalo, no alto da cabeça. Toda de branco. Poucos gestos. Econômicas respostas.

Encontrei-a, nesta manhã, ainda dormindo. Depois sonolenta, não estava para conversas, ouviu-me, nada comentou, nem sorriu.

Senti saudade dos olhos castanhos atentos a tudo e a todos, do sorriso brejeiro, encantador. Da mulher inquieta, apaixonada. Senti falta até da severa interlocutora, uma comunista das antigas, que muitas vezes assisti e convivi.

Da poetisa que viveu de braços dados ora como Vivi, a menina, ora como Beatriz, a mulher. Corajosa, lutadora, espirituosa com uma pitada amarga. Mas sempre solidária.Nunca a vi indiferente aos sofrimentos humanos ou aos sonhos e utopias. Jamais omissa aos anseios de uma sociedade fraterna, igualitária, socialista.

Recolhida, os olhos fechados, uma figura anciã, absorta em seu mundo interior. Um rico mundo sabemos nós.

Pensei: Muitas vezes ficamos assim, quer ouvindo uma sinfonia ou mesmo repensando fatos, histórias. Nada daqui de fora pode nos interessar. Quem alcançou a marca de 101 anos. Um século e mais 365 dias... Pode tudo!

Fui atraindo-a com canções, histórias dos bisnetos, devagarzinho fui trazendo notícias:

- Dona Canô está com 103, Oscar ( Niemayer, seu amigo) também! Você sempre em boa companhia... Hein?

Nada. Silêncio. Então, indaguei:

-Você sabe que temos uma mulher Presidente?

Ela me responde, sem abrir os olhos, mas com voz firme:

-Não.

Discorri sobre o desfecho da campanha.

Ficou mais atenta.

Falei sobre a candidata vitoriosa, sua história de vida e luta. Ambas presas políticas.

Fiz conjeturas sobre o que poderá significar uma mulher na direção de nosso país.

Ouviu-me. Serena e ausente já não mais se agita pelos fatos corriqueiros ou ao que emprestamos importância.

Cumpriu com garbo, com coragem, o seu papel de cidadã, de brasileira, de militante comunista. Cumpriu com integral solidariedade os seus papéis de mulher, mãe, esposa, amiga, avó, tia, irmã. Professora, poetisa. Foi além: Transformou.

Não se queixa de nada, não se cansa por nada. Esvai-se, deixando plantadas sementes. Algumas recolhi.

As outras vão continuar se espalhando para os jovens recolherem e replantarem.

É de uma vida cheia de sonhos, poesia, ideais, perdas e coerência o legado de BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF

Com curiosidade e alegria os cinco bisnetos - idades entre oito anos e quase dois anos- repetem:

- Minha bisa faz 101 anos!

Reforço a notícia com o delicioso detalhe:

-Ela diz que foi amamentada com música e alfabetizada com poesia.

Deixo para contar depois, junto aos meus netos, a história da menina ligada em poesia e em transformação social. A mulher-menina que conduziu granadas sorrindo. A última presa política, do período Vargas(1935), viva.

Amiga de tantas e tantas pessoas que amaram, como ela, seu país e lutaram por mudanças, por novos dias, por olhares de igualdade. Algumas deram suas vidas. Não erraram em suas escolhas, mas há muito por continuar a fazer.

Militante comunista, viúva do companheiro, de toda a vida, Raul Ryff. Apaixonada por ele tanto quanto por seus ideais. Uma mulher pioneira.

Assim, Beatriz ou Dona Vivi chega aos 101 anos.

Santa Teresa, 08 de novembro de 2010


A todos meu carinhoso abraço

Maysa





terça-feira, 2 de novembro de 2010

AUGUSTO DOS ANJOS - O FIM DAS COISAS -














O Fim das Coisas

de

Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar num triunfo supreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo dorbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio…

E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!


É, Augusto dos Anjos , assusta e encanta nossos fantasmas. Quem de nós não ficou com a respiração ofegante em cada estrofe, em cada cilada que a vida arma e a vida desmonta?

Abraço neste feriado criado para a íntima reflexão.

Maysa

sábado, 30 de outubro de 2010

SEM MEMÓRIA - MAYSA MACHADO







Sem Memória


Maysa Machado



O vento forte aqui não sopra, nem uiva.

Bate portas, janelas, derruba plantas

Quebra-as nos frágeis vasos.

Levanta poeiras, dobra centenárias palmeiras

Subjuga, captura e agita

Pássaros em seus vôos.

Diverte-se, e como vingança

Empresta asas às folhas.

Recolhe num único instante

desejos e sonhos de liberdade.

O vento paralisa anseios.

Ciclone ou qual nome tenha

Está lá para os lados do alto mar.

Meu coração engalfinha-se

Turbulência passageira?

Vem a mim teu rosto

Semblante apreensivo

Tua voz ...só melodia.

A tarde de sábado se aquieta

Nublada como meus sentimentos

Recebe o conhecido canto.

Ousados pássaros

Repetem solitários: Bem-te-vi.

O fim de tarde se apronta

Suave e manso sem memória

Nem tormento.


Santa Teresa, 30 de outubro de 2010


Aos que por aqui chegam, um abraço amigo


Maysa

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

LOS HERMANOS - ATAHUALPA YUPANQUI




Essa canção de Atahualpa Yupanqui, sempre me comove. Creio que muitos outros sentem a mesma emoção.

Em tempos de ditaduras ela embalou nossos sonhos, e desejos legítimos de LIBERDADE.

Portanto, trago-a até ao Ninho, para lembrar que não mais se pode aceitar qualquer manifestação de intolerância ou patrulhamento, que tentam ressurgir nos tempos atuais - esses mesmos - de uma imperfeita democracia -, mas construída por todos nós, para não mais deixar o arbítrio entrar. A letra diz tudo que não podemos esquecer.


(Milonga)

Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
En el valle, la montaña,
en la pampa y en el mar.
Cada cual con sus trabajos,
con sus sueños, cada cual.

Con la esperanza adelante,
con los recuerdos detrás.
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
Gente de mano caliente
por eso de la amistad,

Con uno lloro, pa llorarlo,
con un rezo pa rezar.

Con un horizonte abierto
que siempre está más allá.

Y esa fuerza pa buscarlo
con tesón y voluntad.
Cuando parece más cerca
es cuando se aleja más.

Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar.
Y así seguimos andando
curtidos de soledad.

Nos perdemos por el mundo,
nos volvemos a encontrar.
Y así nos reconocemos
por el lejano mirar,
por la copla que mordemos,
semilla de inmensidad.
Y así, seguimos andando
curtidos de soledad.

Y en nosotros nuestros muertos
pa que nadie quede atrás.
Yo tengo tantos hermanos
que no los puedo contar,

Y una novia muy hermosa
que se llama ¡Libertad!



quarta-feira, 13 de outubro de 2010

PONTO DE INTERROGAÇÃO

foto maysa by cel/flor da fruta pão/
manhã no caminho da Lapa/2010















Ponto de Interrogação



Maysa Machado



É tudo passado!
O sonho de ser feliz.
A coragem para mudar o mundo.
A bolsa de estudos em Paris
Está tudo no lixo. Do passado?

Tua vida fincou aqui mesmo
No Rio onde nascestes!
Emudecida, calada,
Exilada dentro do teu próprio país.
Na tua pátria amada.

Menina nova precisou
rápido ficar experiente.
Atenta, arisca, calada.
Assim, sem perceber
Foi tudo indo parar no lixo...

Casamento, família, amigos.
Mesmo desqualificada
A vida teima em voltar.
Brotar, brotar...Como assim?
Sem sonho, sem coragem, sem amor.

Sem fantasia?
Brotou.
E ainda brota todo dia.
Qualquer dia, sem nenhum favor.
Vai saber o que te reservou
...O Criador!

Santa Teresa, 01.03.08



Um abraço.

Maysa

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

INSTANTES

do meu pé de jasmin do cabo/maysa by cel/2010



Instantes

Maysa Machado





Preciso desse sorriso
Que não mostra os dentes
Mas a alma triste.
Preciso da tua pele
Ou mais ainda... das tuas mãos
Descobrindo meu corpo.
Desse olhar múltiplo e de esguelha
sonso, econômico...
Desses nãos
Em que são feitos os teus desejos
E os meus...
De tanto precisar e não dispor
Já não preciso mais.
Posso ir vivendo
Sem teu calor, sem tua presença
Invadida pela insônia
Por uma tristeza imensa
Fotografo a vida
Coleciono instantes
Deles não fujo
Só de mim.


Santa Teresa, 01 de outubro de 2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

ESTÔMAGO





Estômago



Maysa Machado


A náusea me incomoda há uma semana. Vem junto, não só o desconforto da dor, a fragilidade sem adjetivação.
Dói. O estômago grita! Me diz que quer repouso, um chazinho morno. Atendo ao pedido do meu corpo. No entanto consulto-o:
- Por que dói?
- ............
-É virose, bactéria, dor de amor ou de estar vivo, sem quimera?
Estômago fica mudo, amuado. Aparência de dia nublado, que não quer se explicar...
Minha vida vai tomando outro rumo.
Deixo as atividades combinadas, relego qualquer prazer ao lado, esquecido. Giro em função do desconforto... Que mantenho a pretensão de interromper.
Vida - não se quer perscrutada. Amores contrariados, sentimentos desencontrados?
Aí tem alguma coisa de... Errado! Mas o quê?
...........................................................................
Até podia ter gerado mais insônia, taquicardia. Vai , meu estômago é caprichoso, sensível. Aparece e dita minha semana de uma segunda à outra.
Paciência, ânimo me receito.
- Em vão!
Será que grita, por tanto absurdo visto, presenciado, sentido? Nos últimos dias...
Aliás, busca por sentido em meu caminho...é trabalho para toda a eternidade.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

SE É PRIMAVERA...É TEMPO DE BRINCAR DE AMARELINHA.




Junquilhos domesticados (2) foto by cel. Maysa 2010













ESTAÇÃO BACANINHA


Maysa Machado



Primavera, verinha,
Prima do Antonico, do veranico
E da joaninha ...
Primavera nossa parente
Vem bem chegadinha.
Traz flores, mel, sorrisos.
A paz feita em cores...
Sons, alegria.
Suaves trinados dos passarinhos
É tempo de brincar
Saltar na amarelinha.
Visita do agrado de toda a gente
Num tal e qual setembro
Mes que se adivinha
Quente e seco
Chuvoso e frio.
Coração e céu nevoentos.

Santa Teresa, 23 de setembro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

LOUCOS POR MÚSICA



Sou louca por música. E vocês?
Se encantou minha infância aprender as letras de Caymmi, Noel Rosa, Luiz Gonzaga e muitas melodias que se ouvia nas rádios... Acompanhou as incertezas do coração e da cidadania, quando os anos sessenta chegaram.
Nossa cultura musical é rica. A bossa-nova e o choro entraram de vez na minha história. Aos dezesseis tentei aprender violão... Faltava às aulas para ir namorar escondido.
Fiz a escolha errada e fiquei no prejuízo. Não trouxe para minha vida a autonomia, a liberdade de sonhar, de criar que dá tocar um instrumento.
Nos dias de hoje, retornei às origens e estudo música na Escola Villa-Lobos.
Quer companhia melhor que música? Nas horas em que a tristeza vagabundeia por nossos corações, nos momentos de perdas afetivas, nas emoções mais sinceras...
Quando estamos alegres cantarolamos. Escolhemos uma melodia que expresse nosso estado de espírito.
Li de um amigo sua história com a música.
Fiquei mais feliz depois da leitura, encontrei nossa forte ligação ali representada. A música.
Nestes tempos de eleições e decisões sobre candidaturas, meu amigo é candidato, é músico.
Entre sua história tão corajosa e bonita de se conhecer, viveu e sobreviveu ensinando música.

Deixo, n'O Ninho, as dicas sobre a história vivida por Carlos Eugênio Clemente. Se amarem, como nós, música ...Cliquem aqui e aqui .
Se gostarem façam como eu o escolham. Ele se compromete, caso eleito, a lutar pela:

· " Pela valorização do músico;
· Direitos autorais a quem de direito;
· Contra o lucro excessivo e indevido das sociedades arrecadadoras;
· Aulas de música nos currículos das escolas públicas, com remuneração justa para os professores.



Que tal ouvirmos Nara cantando Canto Livre ?






Um carinhoso e sonoro abraço

Maysa

sábado, 18 de setembro de 2010

MÃOS GULOSAS, SENSAÇÕES PASSAGEIRAS, LEMBRANÇAS DURADOURAS.



Pitangas e beijos/arranjo: Ana W. R./foto Maysa by cel/2009

















Preparando a Primavera as pitangas explodem, exibem multivariados tons do vermelho sob, e diante, a sacada do meu balcão. Medieval, invento!
Já descrevi, por aqui, meu quarto não é um quarto é uma alcova. Não tem janelas. Maior luminosidade e ventilação são garantidas pela porta que dá para a pequena varanda.
Agora tudo floresce, como nas primaveras passadas: os dois pés de café, a pitangueira -flores e frutos- e um tanto atrasado, o jasminzeiro. Desculpem, sei que a forma correta é jasmineiro, porém, prefiro usar o jeito que trouxe da infância.
O tema é recorrente... A emoção, no entanto, renovada. É estimulante ter a companhia das flores e frutas miúdas, inunda os olhos, o olfato. O diálogo suave com os netos inunda o afeto.
Vida se renova nas pequenas alegrias, algumas indizíveis no momento mesmo em que acontecem.
Do júbilo instalado, em meu quase insensato coração, passo a degustar os doces e amargos sabores.
Colho as miúdas e reluzentes frutas do pé. Muitas já foram provadas pelos ligeiros pássaros. Não tendo asas chego depois, um tanto apressada, e escolho as mais vermelhinhas; procurando as doces encontro, vez que outra, as azedinhas.
Não fosse renovada, minha surpresa seria idêntica a de minha neta de seis anos, percebo em nossa conversa por telefone. A dela é inaugural, lá por outros pomares ou jardins, encontra-se
com um pé de pitanga; curiosa e gulosa vai à cata. Depois me conta:

-Vovó escolhi uma pitanga, bem vermelhinha, e ela estava azedinha!
- Querida, acontece... da aparência enganar a gente.
- Eu posso não ter visto direito, vó! Talvez, ela era cor de abóbora e, eu me enganei!
- Vovó também procura as bem vermelhas, certa de que estarão mais docinhas, mas minha mão gulosa se engana e colhe rápido, muita vez, as azedinhas!
-Vó, vou olhar bem direitinho!Vou procurar as cor -de -vinho!!
- Isso , querida experimentando você escolhe doçuras e os suaves sabores ...Não precisa ter pressa para saborear.

A primavera se prepara em flores, cheiros, sons, movimentos inesperados. Nós fazemos parte desses encontros e desencontros, traduzindo-os em relatos e vivências recorrentes, como as estações, mas únicos em cada acontecer.

Santa Teresa, 18 de setembro de 2010

Um abraço

Maysa