BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF
OU
DONA VIVI FAZ 101 ANOS.
por Maysa Machado
Está lá. Repousa no mesmo quarto do seu apartamento no Leblon. Cabelos lisos e alvos, arrumados num gracioso rabo-de–cavalo, no alto da cabeça. Toda de branco. Poucos gestos. Econômicas respostas.
Encontrei-a, nesta manhã, ainda dormindo. Depois sonolenta, não estava para conversas, ouviu-me, nada comentou, nem sorriu.
Senti saudade dos olhos castanhos atentos a tudo e a todos, do sorriso brejeiro, encantador. Da mulher inquieta, apaixonada. Senti falta até da severa interlocutora, uma comunista das antigas, que muitas vezes assisti e convivi.
Da poetisa que viveu de braços dados ora como Vivi, a menina, ora como Beatriz, a mulher. Corajosa, lutadora, espirituosa com uma pitada amarga. Mas sempre solidária.Nunca a vi indiferente aos sofrimentos humanos ou aos sonhos e utopias. Jamais omissa aos anseios de uma sociedade fraterna, igualitária, socialista.
Recolhida, os olhos fechados, uma figura anciã, absorta em seu mundo interior. Um rico mundo sabemos nós.
Pensei: Muitas vezes ficamos assim, quer ouvindo uma sinfonia ou mesmo repensando fatos, histórias. Nada daqui de fora pode nos interessar. Quem alcançou a marca de 101 anos. Um século e mais 365 dias... Pode tudo!
Fui atraindo-a com canções, histórias dos bisnetos, devagarzinho fui trazendo notícias:
- Dona Canô está com 103, Oscar ( Niemayer, seu amigo) também! Você sempre em boa companhia... Hein?
Nada. Silêncio. Então, indaguei:
-Você sabe que temos uma mulher Presidente?
Ela me responde, sem abrir os olhos, mas com voz firme:
-Não.
Discorri sobre o desfecho da campanha.
Ficou mais atenta.
Falei sobre a candidata vitoriosa, sua história de vida e luta. Ambas presas políticas.
Fiz conjeturas sobre o que poderá significar uma mulher na direção de nosso país.
Ouviu-me. Serena e ausente já não mais se agita pelos fatos corriqueiros ou ao que emprestamos importância.
Cumpriu com garbo, com coragem, o seu papel de cidadã, de brasileira, de militante comunista. Cumpriu com integral solidariedade os seus papéis de mulher, mãe, esposa, amiga, avó, tia, irmã. Professora, poetisa. Foi além: Transformou.
Não se queixa de nada, não se cansa por nada. Esvai-se, deixando plantadas sementes. Algumas recolhi.
As outras vão continuar se espalhando para os jovens recolherem e replantarem.
É de uma vida cheia de sonhos, poesia, ideais, perdas e coerência o legado de BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF
Com curiosidade e alegria os cinco bisnetos - idades entre oito anos e quase dois anos- repetem:
- Minha bisa faz 101 anos!
Reforço a notícia com o delicioso detalhe:
-Ela diz que foi amamentada com música e alfabetizada com poesia.
Deixo para contar depois, junto aos meus netos, a história da menina ligada em poesia e em transformação social. A mulher-menina que conduziu granadas sorrindo. A última presa política, do período Vargas(1935), viva.
Amiga de tantas e tantas pessoas que amaram, como ela, seu país e lutaram por mudanças, por novos dias, por olhares de igualdade. Algumas deram suas vidas. Não erraram em suas escolhas, mas há muito por continuar a fazer.
Militante comunista, viúva do companheiro, de toda a vida, Raul Ryff. Apaixonada por ele tanto quanto por seus ideais. Uma mulher pioneira.
Assim, Beatriz ou Dona Vivi chega aos 101 anos.
Santa Teresa, 08 de novembro de 2010
A todos meu carinhoso abraço
Maysa
4 comentários:
Maysa querida, que beleza de texto...Beatriz é um exemplo!! Parabéns, estou com saudades. bjs Aninha
Querida,
bom que tenhas apreciado.
Nós somos pessoas escolhidas para propalar o que assistimos, presenciamos, e o que deu e não deu certo.
Beatriz é mesmo a mulher que se destacou em muitos papéis.Sobretudo na militância política e na poesia.
Escreva-me sempre que puder. vamos nos ver, sem carioquices!
bj
Maysa
Convivi com Raul, uma grande figura.
Tenho saudade de ver o trio (Maria Werneck de Castro, Alayde Pereira Nunes e Beatriz Ryff) em todos eventos políticos importantes.
Pessoas que não viveram em vão, deixaram muito de si em todos nós e viverão enquanto cultuarmos a memória delas.
Manoel Carlos
Caro Manoel Carlos
Com alegria e afeto li seu comentário, aqui no Ninho, sobre Raul, e o trio Maria Werneck, Alaíde e Beatriz.
Mas ao clicar para lhe responder descubro a perda irreparável que você, família e amigos próximos acabam de sofrer. Silêncio também é texto. Deixo-lhe um abraço com carinho e respeito pela dor imensa. Continue a escrever, assim você poderá, quem sabe, organizar as memórias afetivas. Quem sabe sarar a ferida... olhar a cicatriz.
Com amizade Maysa
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