domingo, 27 de julho de 2014

AVÓ - Maysa Machado








AVÓ


Maysa  Machado




Só tive uma. Quero dizer: Só convivi com uma. Meus outros avós não viveram para conhecer netos. Além de avó materna era minha madrinha de batismo. Nas lembranças do afeto, as mais expressivas da infância, ela está. O caráter decidido, a naturalidade em viver seu cotidiano difícil com coragem, sem lamúrias. Discreta até para nos fazer carinho. No entanto, seu amor vinha traduzido em vários momentos. Na comida gostosa, um presente sentar à mesa quando a vovó cozinhava. Na hora de dormir, contando as histórias da Carochinha, solene e suave. Acho que ela era assim mesmo, como na hora em que nos chamava para ouvir histórias. Não as inventava, contava o que o livro dizia.
Enviuvou do segundo marido, o avô emprestado que tive, e foi morar com a titia, sua filha mais velha. De tempos em tempos ficava em nossa casa. Dormia no meu quarto, cheirava à alfazema, companhia querida, suave, intrigante. A essa altura só tinha a gente, seus descendentes, pra chamar de família. Duas filhas, genros e quatro netos. Eu a única menina. Das alegrias ou tristezas passadas não comentava, vivia o presente. Espalhava amor e segurança, confiável no sentimento, não havia necessidade em enunciá-lo.
Hoje no Dia dos Avós, imagino uma caixa de mistérios, que reunisse todos os fatos marcantes de sua vida. Devia ser imensa, pois foi longeva, sobrevivendo às duas filhas. Delas cuidou, com carinho de mãe, até o fim.
Mistérios desimportantes guardados na memória, talvez. O que lamento foi deixar de perguntar à minha avó sobre sua infância, sonhos, sentimentos que povoavam seus gestos serenos e amorosamente contidos. Se me aproximo de uma árvore frondosa a energia de sua presença me acolhe.
Ser avó é poder espalhar proteção amorosa às crianças.

Santa Teresa, 26 de julho de 2014.

Com um dia de atraso a postagem sobre o Dia dos Avós, comemorado, ontem, Dia de Santana e S. Joaquim. Abraço em todos que conhecem essa alegria.
Maysa

segunda-feira, 21 de julho de 2014

AMANHECE - Maysa Machado

















AMANHECE

                                       Maysa Machado

Amanhece em mim toda a ternura vivida
desde o aconchego no colo materno
revestido de suave incredulidade
resquício do medo e dor que o parto traz.
Amanheço no berço da casa dos pais.
Sereno embalo e júbilo vivido a dois.

Nem sempre a vida presenteia
com plenitude e sossego
nossa vinda neste mundo.
Por algum descuido
nasci querida num domingo
de inverno e pleno sol.

Trago cicatrizes fundas
descaminhos, pedras brutas e que tais.
Sonho e vida sempre misturados
Insônias plenas como sóis
agudos mais que plurais.
Tenho a pequenez e a grandeza do mundo.

Que me é oferecida, ainda,  em silêncio e júbilo
À cada desconhecido amanhecer.


Santa Teresa, 21 de julho de 2014.

Leve como o cheiro das lavandas ou do capim cheiroso em nossa infância.
Aos que passam deixo meu abraço e carinho, nesta segunda- feira.

Maysa

sexta-feira, 4 de julho de 2014

PASSAGEM - Maysa Machado







PASSAGEM

                                    Maysa Machado


Passamos sem notar
Tempo e percurso.
Viajantes escolhidos
Por desígnios inconsultos
Era uma vez... Aqui.



Nossas escolhas mudam
Nossos enganos, também.
Queremos voltar
Fazer diferente
Volta não há:
Siga sempre em frente.
Tempo e distância
Descobertas simples, talvez, essas sim.
Todo tempo vira pó
O da esperança, o do sofrer.
Entranhas remexidas
Em ti, em mim,
Permanecem desconhecidas
Apesar da proximidade compartida.
Tempo e mistério
Estranhamento reunido em porquês.
Nem tu, nem eu sabemos
Porque ficamos
Quando partimos.



Santa Teresa, 4 de julho de 2014

Obra: Max Ernst - (1975) da série ´Aves em risco`

Olá
 Talvez, atravessada pelo sentimento de finitude, esse poema contenha a expressão da perplexidade, que nos acomete, por nossa passagem diante da vida.
Abraço
Maysa