sexta-feira, 24 de maio de 2013

O QUE É SER AMIGO? O QUE É TER UM AMIGO? - Maysa Machado

foto cel maysamachado/folha de outono sobre a mesa/2013















O QUE É SER AMIGO? O QUE É TER UM AMIGO?

                                                                                             Maysa Machado

Ontem imaginava mudando-me daqui, do bairro de Santa Teresa, talvez, para um trecho da orla de Copacabana. O Leme pensei. Gosto desde pequena da paisagem, do canto da praia, da montanha quase intocada, e senti vontade de ficar perto de amigos, pois os tenho nas redondezas.
Daí, que hoje, indo mais fundo nas conjecturas existenciais, nessa alquimia que junta e separa pessoas, sem a interferência devastadora e final, propriamente dita, da morte, indaguei:
 O que é ser amigo? O que é ter um amigo? 
Bem, maiores sejam os enganos cometidos nessa vida, fica a lição: Seu autorretrato só você faz. Rsrsrs
E nos desvãos das amizades, até mesmo as que aparentam durabilidade, tenho relativa sorte. Amigos antigos e prováveis ex-amigos novos são bons nisso, traçam-nos minuciosos e definitivos perfis.
Ajudam-nos a entender o papel das substituições infindáveis, no percurso de nossas vidas, dos atores, seus passos, angústias e motivações.
Até os surtos, inimagináveis. Amigo é pra essas coisas!
Uns, de tão capazes e precisos, ao se auto definirem, redigem seu prévio necrológio.
Algum, pelo tal surto ou covardia, somente, esquece-se de morrer! 
Ambos prestam favores à intempestiva morte, pois, enquanto vidas parcas tiverem, serão exímios propagadores do mal estar que ronda a civilização e os corações. 

Decepções, como tudo que provamos, são passageiras, contém um grama de finitude. No entanto, como relutamos aceitar as amizades que se findam.


Santa Teresa, 24 de maio de 2013.


Grande Abraço
Maysa

terça-feira, 21 de maio de 2013

REGRAS NA ESCRITA - Maysa Machado






















REGRAS NA ESCRITA

                                    Maysa Machado

Mundinho estranho... Eu que adoro escrever, tenho pesadelos pós-mudanças, mutilações e invenções estapafúrdias havidas na língua portuguesa, com a Reforma Ortográfica. Maldito Acordo esse!
Alguém vai me dizer por que somos obrigados a cortar e enfear palavras? Querem ver um exemplo? A supressão, em alguns casos, do elegante e oportuno hífen transformou a escolha por um passeio curto em: microrroteiros...
 Isso alegra alguém?  A sugestão escrita de um convite passou a ser explícita ofensa escrita.
 Rsrsrs
Valham-me de tais regras!
Melhor acompanhar as sugestões para desestressar...
Abraço,
Maysa

quinta-feira, 9 de maio de 2013

POESIA - EXPRESSÃO DA VIDA... - Maysa Machado











POESIA - EXPRESSÃO DA VIDA...

Recebi e li um poema lindo.Escrito por um jovem que amo, e me foi apresentado no dia do seu nascimento.O primeiro bebê que segurei no colo, como costumo repetir, sem exaustão. Nossa relação é de muito carinho. Ficamos todos os anos de sua infância, sem vermos um ao outro, mas se a vida coloca distâncias geográficas entre pessoas amadas, o afeto mantém-se como seiva que, alimentada, só traz vigor ao existir. 
O poema revirou minha cabeça, todo o sentimento percorrido em mais de quatro décadas. Não conseguia ler direito, tal a sofreguidão.
TREM DA HISTÓRIA, de IGOR GRABOIS.
Parabéns corajoso e sensível amigo Igor. Que teus filhos, Gilberto e Maria, frutos do amor e da coragem diante da vida, sigam bem perto a tua luta para ressignificá-la.
 Mais Poesia!
 Maysa Machado

TREM DA HISTÓRIA

                                                    Igor Grabois

Nasci onde o trem da história passou,

Em uma sala pintada de verde

Revisitada em sonhos de quando em quando

As notícias vinham da letra impressa

Progresso, Vitória, Nova China

E o camelô dos domingos saltava em preto e branco da TV



Homens vinham de tempos em tempos

E depois não reapareciam

Uma cidade que mudava

Mas era inamovível

As torres de vidro e aço não eram ainda construídas

A avenida grande ainda projetada em um riacho

Casas se espalhavam em ondulações

Parques, verdadeiras clareiras no cimento e asfalto



Carros passavam à distância

Dez quarteirões no escurecer quando vinha da escola

E me arriscava nos primeiros escritos

Minha letra miúda cada vez mais ilegível

Os anos escolares passavam devagar

Um no prédio velho, outro no prédio novo

Alternados assim



Mas os dias eram inalterados

Era tanto movimento

Não se notava a diferença

Era como se tudo fosse parado

Um tempo que não passava

As caras eram fechadas

Então vinha um som uma palavra uma frase no muro

Um cartaz um livro distante

Para um refrigério e um alívio



Em um passado não muito distante

Uma tarde no Gáudio de São Vicente

Uma brisa do mar virou um abraço terno de reencontro

Há mais lugares que revisito em sonhos

Mas é um lugar sem mar



A mudança da cidade que só se nota

Quando já feita

Instantes que se contam pelos passos

Como projeção do espaço

A física moderna diz que o tempo não existe

Mas o tempo volta na nostalgia do não vivido

De tempos duros que parecem bons aos dias de hoje



Perseguia a palavra em calçada pisada

Nunca pude cometer desatinos

No máximo um cinema

Uma aula cabulada no shoping

Me lembro da bolsa pesada de livros

Da chácara de flores do jogo de taco

Do vizinho português que apanhava do pai com fio de ferro

O salário mínimo era trezentos e sessenta cruzeiros

E o filho do encanador filava a sopa feita pela minha avó

Que fazia cerâmica e dava aulas de matemática na mesa da cozinha



Eu me inspirava por qualquer emoção

Comprava fascículos na banca de jornal do Peg-Pag

E gibis na avenida Morumbi

Seguia pela cidade de bicicleta

Em passeios sem esforço

Sem temer o tráfego e me metendo em algum bosque de eucaliptos

Eu não tinha irmãos nem primos

E ninguém sobrou dessa época



Por isso essa sede de pertencimento

Uma raiz que se planta no mundo

E uma sensação de corte e de perda

Houve uma vez em que um cão voltou

Que foi e não voltou mais

Como todos que iam e vinham

Estranhei as distâncias

Centro velho e centro novo

Galeria Metrópole Lojas Americanas

Sopa Paulista

Passeios no calçadão recém-inaugurado

A livraria do Gazeau na praça da Sé



Traços de uma cidadania incompleta

Cada vez mais distante

E mais tarde passei a ansiar pelos bares da outra cidade

Revisito as mesmas paisagens

Tudo parecia tão grande e agora parece na medida

O tempo é outro, os olhos são outros

Mas a angústia parece a mesma

De quando descobri as cartas da Flavia Shilling

Na Brasiliense da Barão de Itapetininga

No mesmo dia em que ouvi Ana de Amsterdam



Coisas tão pequenas misturadas na grandeza

Uma grandeza que não era minha

Uma história dos grandes fatos e de míticos personagens

E de pessoas que trabalham e se movimentam

Algo não percebido e que um dia explode

Uma história escondida nas catacumbas quase sem esperança



Aos domingos se lia o Estadão

Grossos cadernos de classificados e artigos de fundo

Lidos na luz mortiça da cozinha

Me deitava ás dez mas a insônia levava pra além da meia noite

Quantas noites amanhecidas na leitura

Sempre os livros me povoando

A vizinha já estava acordada antes do sol nascer

No muro a observar a vida alheia



O trem da história circulava em quatro paredes

Esperança era frase pixada em um muro

Uma faixa perdida na porta de teatro

Uma matéria de revista, uma canção impressa no vinil

Hoje se pode ao menos respirar

Conhecer o que é preciso

E agir se assim se quiser

Mas há uma falta de cada ponto coberto

Do perigo iminente

E da certeza do que éramos



Era um tempo sem luz

De sussurros e encontros clandestinos

Um tempo de guerra

Não se escolhiam os soldados

Nem se reconheciam os inocentes

Um tempo de coturnos batidos

E inimigos à espreita

Um tempo que vem e vai na memória

Hoje parece um sonho ruim e saudoso



Vivi onde passa o trem da história

Descortinando o trilho, descrevendo a paisagem

Enxergando a luz do fim do túnel

Andei por onde anda o trem da história

Respirando o fumo da máquina

Em meio ao barulho ensurdecedor


 Zona Leste, junho de 2011.

PS: Igor GRABOIS, economista e militante político, prestou, ontem, depoimento na Comissão da Verdade da Assembléia Legislativa de São Paulo. Filho, neto e sobrinho de três desaparecidos políticos, mortos pelo Estado Brasileiro. Durante o regime militar autoritário instalado, após o Golpe de 1964, que destituiu o Presidente João Goulart e aboliu, por 21 anos, os direitos civis conquistados pelo povo brasileiro na democracia.
Um abraço a todos.
Maysa


quarta-feira, 1 de maio de 2013

1º DE MAIO- SANTA TERESA EM OBRAS - Maysa Machado













1º DE MAIO - SANTA TERESA EM OBRAS

Maysa Machado


O bairro até que era bucólico, diferente, musical, artístico. Isso nos anos 70, 80, e prolongando, ainda boêmio, até o final do século passado, vá lá.
Hoje, como em quase toda a cidade, o carioca tropeça em obras, é arrancado de seu sono, vive de susto em susto.
 Santa Teresa está sendo ocupada por outras vocações.  Ganhar dinheiro, em curto prazo, através dos empreendimentos, na sua maioria de fachada internacional.
Os jovens artistas sonhadores já não a representam, e a falta de música instrumental, em seus bares, dos sons que despontavam primeiro por aqui é substituída pela histeria urbana do lucro que embaralha e embrulha ganhos e as antigas vocações.
Santa Teresa é  preferida para horas de lazer. Hotéis, pousadas, hostels, cama e café. Alguns, turistas transformam-se em empreendedores estrangeiros, ávidos com as possibilidades de sucesso econômico.
Assistimos ao comportamento predador de acesso ao bairro, na condição de “donos”, tratam das suas vidas e propriedades sem olhar e respeitar o entorno, sem curiosidade em conhecer os hábitos. Obras atrás de obras.
 Aqui na velha travessa, com trechos cada vez menores do calçamento tipo pé de moleque, durante uns quatro anos, não entrávamos nem saíamos de casa quando queríamos. Em nosso ir e vir enormes caminhões, caçambas de entulhos, peões, serviços e horários variados.
Um tormento.
Agora, mais outra obra nos tira o sossego. Os proprietários não estão perto cotidianamente. O conhecido tormento se reinstala e a sensação recorrente, há mais de seis meses. De novo, somos deixados como que à beira da estrada, atingidos com o excesso de poeira e barulhos de toda sorte e oscilantes decibéis.
Pergunto-me: Moro ou não em área residencial?
Será que em todo canto do mundo é assim? Não existe lei para preservar, ainda que minimamente, o direito dos habitantes?
Há uma torcida, em silêncio, todos os dias, para que chegue o fim das tardes e sejam de que estações do ano forem, quando o turno de trabalho termina.
Resta-nos a trabalheira, esta sim sem fim, para limpar a poeira, e no dia seguinte tudo recomeçar. Eu, cuja casa fica defronte da movimentação mais intensa, tenho pesadelos com o som da maquita, das serras elétricas e tudo junto e misturado com a falta de educação dos trabalhadores, dos operários, que se comunicam aos berros, na alegria e no palavreado chulo.
Não acordamos quando o sono acaba. Somos arrancados das camas, por aqui não há descanso nem feriados.
Hoje, Primeiro de Maio, feriado internacional do Dia do Trabalho, todo o ritual se repete. Nem acreditei, antes das oito, a parafernália em ação. Poeira, barulhos, estrondos, berros.
O que é ser cidadão? O que nos assegura o poder público?
Janelas fechadas trazem um pouco da privacidade perdida, mas sustentam toda a sorte de péssima qualidade de vida; os ácaros e a poeira fazem a festa. As alergias, inclusive, as respiratórias, tiram o ritmo da vida, abalam a saúde e o bolso.
 Se chove o medo surge, pois a topografia irregular e íngreme do terreno vizinho está sendo revolvida, radicalmente, por manobras e novas destinações humanas.
 Estas não cogitam os pés de jabuticabas, os mamoeiros, a tangerineiras, os abacateiros, sequer os pássaros, os saguis, os gambás, animais que ocupavam um resto de mata.
Antes, o sol para ser visto e brilhar até as varandas dos quartos, precisava da ajuda da brisa e do companheirismo das folhas lhe dando passagem por entre os movimentos suaves, trazendo os raios das manhãs ou as despedidas dos fins de tarde.
Quem quer saber disso? Os operários? Os novos proprietários?
 A pressa urbana em derrubar árvores, em gritar ao invés de falar, em trabalhar em horários de descanso dos que moram é preponderante.
Qual o destino do bairro residencial de Santa Teresa?
Obras economicamente viáveis, mas cultural e historicamente desviadas de um modo saudável de viver que se quer anular, dia a dia.
Vejo da minha janela, nos poucos momentos em que abro o desespero, a agitação das aves, a busca do pouso, o vazio do galho partido, a falta da árvore tombada.

Não isso não pode ser confundido com progresso, melhoria, respeito humano e ações sustentáveis.
Um nome parecido com distância, alheamento, despreparo. Falta de cidadania.

Santa Teresa, 1 de maio de 2013.

Um abraço para os que conseguiram comemorar o feriado.
Em tempo: Por aqui não vi, até agora, nenhum operário, da obra vizinha, portando luvas, capacetes e outros cuidados preventivos sobre acidentes no trabalho ou com a saúde do trabalhador. Tampouco alguma placa indicando a licença para a obra instalada.

Maysa