quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CASA DA INFÂNCIA - Maysa Machado



                                                   foto maysa machado/ rio





CASA DA INFÂNCIA

                                                         Maysa Machado




As recordações surgem em cada um de nós com cheiros, cores e sons. A casa da infância é um mundo para sempre mágico.
Lá na minha, a mais antiga das que morei, ficou gravada a voz de minha avó materna. Ora, solene e doce contando-nos histórias da carochinha, antes de dormirmos, ora ativa e apressada chamando-nos para a merenda servida à tardinha, entre quatro e cinco horas.
Na primeira, o quase sussurro das folhas percorridas, com elegância por ela, buscando no grosso livro, cheio de histórias, alegrias e medos que iam sendo despertos; nossa curiosidade em ver as ilustrações em bico de pena, lindas e detalhadas, conquanto parcimoniosas em quantidade, pois no tempo da minha infância o texto prevalecia.
Na segunda, a voz solta expressando uma ordem mais que um convite:
 — Crianças venham merendar! 
Ou:
 — Crianças! A merenda está pronta.

E, então o cheiro de mate quente, em minha memória, toma conta da cena. A luz do dia que se abrandava, a roupa suada da brincadeira de pique, a mão lavada antes de sentar à mesa, e o rosto ainda fumegante e vermelho da correria, tudo misturado à incerteza pelo o quê a noite ia nos oferecer.

O brilho da noite e das estrelas, associado ao mistério de viver.
Criança tinha hora para dormir, criança obedecia aos mais velhos. Um adulto, em quase todas as famílias, ficava disponível para contar, ou inventar histórias.
As do meu pai eram aventuras pelos caminhos da fazenda em que nasceu e vivia desde pequenino, até ficar órfão de mãe e ser colocado num internato, em Penedo, pelos tios. O rio, o banho nas águas frias e passageiras. A bola de meia de todo garoto esperto.
As aventuras de subir em árvores e colher os frutos proibidos, pela altura em que estavam. O gosto de pegar a fruta no pé e sorver seu sumo, ou seu travo de cica antes do tempo.
As histórias de uns misturadas as dos outros.
Surpresas e inquietações movidas pela saudade do que foi ficando para trás, lá na infância, um lugar mágico e distante do que hoje habitamos.
Os adultos em que nos transformamos, feitos de pressa e ordens para cumprir e repassar.
Nós morávamos na infância, hoje, ela apenas nos visita.

Santa Teresa, 22 de setembro de 2012.

Um carinhoso abraço pra quem passa pelo Ninho...e enfrenta as tempestades. rsrs
Maysa

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

TRÊS DÍGITOS, TRÊS SEGREDOS- Maysa Machado







foto maysa machado/cel.



















TRÊS DÍGITOS, TRÊS SEGREDOS




Para Cecília,


Maysa Machado






A menina alegre conversava com a avozinha. Contavam histórias... que não eram da carochinha.

Em algum tempo a gente descobre que avós e netas não escondem aniversários feitos. E, muitas vezes, lembram as datas de nascimento dos membros da família. Por isso sabem a idade de quase todo mundo, até de quem já se esqueceu a sua.

A conversa segue com gosto e a avozinha diz:

— Ceci, você está quase fazendo nove anos! É uma linda idade!

— Vó! Não é não!

— Como assim?

— Bom é fazer DEZ anos!

— O que? Presta atenção: Esse é o último ano em que você aniversaria em um dígito! rsrsrs

— O que Vó?

— Ano que vem querida chegam os dois dígitos... E aí, babau! As pessoas estacionam.

— É, Vó não tinha pensado nisso.

—Então, aproveita bem os seus nove anos. O tempo contado em um dígito. Mágica primeira infância.

—Vóó! Eu queria tanto que você fizesse três dígitos!!!

— Aí fica mais difícil, Ceci... Mas não é impossível! Sua bisa alcançou.

— E como ela conseguiu?

— Bem, ela me contou um segredo. E, eu tenho outro pra te contar.

— Conta, logo vó! Tô muito curiosa.

— A bisa sempre disse que para ser longeva é preciso um projeto de vida. Uma escolha para cuidar dos outros, ser generoso. E se preocupar com o bem estar de todos. E mais, que não pode ficar olhando para o próprio umbigo.

— Esse é o primeiro segredo?

— É sim. Foi o segredo que a bisa me revelou.

E, Ceci emendou logo com a pergunta:

— E o segundo segredo, vó? Quem te contou?

A avozinha, sorriu, fez um silêncio breve e disse o que descobriu pra Ceci.

— O segundo segredo, minha linda, é rir! Rir muito, ser alegre e sorridente.

A alegria faz muito bem a gente. Com bom humor, com paciência a vida encomprida... Pode, até, fazer alguém alcançar os três dígitos de idade!

— E quando a gente tem tristeza, aborrecimento?

— Ah! Boa pergunta. A gente abraça a alegria, com vontade, bem apertadinho pra ela não fugir. E quando a tristeza chega se aproxima, quer agarrar a gente, sabe o que é bom fazer?

— Não, respondeu Ceci, curiosa ainda mais.

— Empurrar, empurrar pra muito distante a tristeza. Xô! Passa fora!

— Vó... e o terceiro segredo?

— Ah! Esse eu ainda não sei, minha querida. Com o tempo vou descobrir. Aí, te conto.

Será que você aprende antes de mim?


Santa Teresa, 26 de janeiro de 2015.

Abraço aos que passarem por aqui.
Maysa

domingo, 25 de janeiro de 2015

PRA NÃO ESQUECER - Maysa Machado


alvorecer da janela .2013/by cel/maysa


















PRA NÃO ESQUECER



                            Maysa Machado


Leva-nos a vida entes queridos
Quase um a um.
Seguem à frente
Por pressa ou cansaço.
Há tempos, meses, dias
Duras tristezas...
Lágrimas não secam a dor
Turvam lembranças.
Até do que tinha morrido em nós!
Amor, ódio ou branda raiva...
Ternura. Tudo brota.
E o que temos pra oferecer?
O que do fundo restou...
O fiapo em que a vida
Num vai e vem
Junta e separa
Sonhos. Esperanças.

Santa Teresa, 25 de janeiro de 2015.

Quando alguém querido parte fica o vazio da vida consumida dentro de nós. O tempo aliado à pressa, que nos transpassa ajustam perdas.Viver é perceber o que se pode transformar...
Abraço carinhoso.
Maysa

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A COLCHA DA VOVÓ - Maysa Machado





















A COLCHA DA VOVÓ


                            Maysa Machado


Um trabalho feito com amor perdura por vidas inteiras.
Um gesto de amor atravessa gerações e deixa os saberes como herança.
Essa colcha de crochê foi feita por minha avó, aos 82 anos.
Lembro-me das rodelas que iam sendo colocadas em caixa de linha, uma a uma.
Na segunda etapa reunidas com o bonito entremeio. Foram três colchas. Uma para cada filha: Nila e Hilda.
E a minha, de neta e afilhada.
O mesmo ponto, e cada colcha com 80 rodelas. O espanto juvenil só contava quantas estavam prontas. A vovó conseguiu!
Duzentas e quarenta peças, perfeitas e completas, em suas unidades.
Plenas de significados ao atingirem o estado "colcha".
Dedicação, paciência e o saber requintado compuseram o bem herdado.
Que presentaço!
Uma de minhas três netas vai receber o presente de valor afetivo inestimável.
Ando matutando os critérios. As meninas estão crescendo...
Historias podem ser contadas no silêncio de depois.


Santa Teresa, 16 de janeiro de 2015.

Um abraço carinhoso e Feliz 2015!

Maysa