segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CANÇÃO DO AMOR FUGAZ

photo by Tina Modotti









Canção do amor fugaz


Maysa Machado



Amor assim do nada

Do de repente

Amanhecido na

Solidão desesperançada.

Gera desertos, miríades

Mais que todos

Os aconchegos imaginados.

Adormecido sem sonhos.

Envolto em fugacidades...

Meu corpo cede, tem sede

Cede, sede.

Quer oásis sem fugas

Quer todos os céus de puro brilho

Estrelados, ali

Por testemunho.

O melhor do amor resiste

Espera se apronta.

Promete alcançar a eternidade

Essência do que somos nós

...Frágeis em nossa humanidade.

Nesse percurso surgem medos

Todos os anseios acompanhados

Por imprevistos, enganos

Ah! Carece entrega.


O amor se assusta.

Se desconhece em

Sua aparência tão efêmera.

É paixão e nada mais.


Rio, Santa Teresa, 29.11.2010


A todos meu abraço


Maysa

sábado, 27 de novembro de 2010

CIDADE DE SÃO SEBASTIÃO DO RIO DE JANEIRO


foto by cel. Maysa fevereiro de 2010















Se nossa cidade fosse apenas este belo cartão postal! Mas é tão mais.

Aqui a gente nasce, vive, sonha, perde ilusões. Constrói a vida. Como desejamos que um dia voltasse a ser Maravilhosa!

Já temos o desgaste das horas passadas no trânsito, das omissões do poder público nas áreas prioritárias de educação e saúde, e agora, nas questões de segurança, novas horas em intensa apreensão, por todos, nos aguardam.

Uma Terra em Transe.

Não há paisagem nem corações do bem que resistam! Mas tudo passa! Nada é para sempre! Vai passar...

Enquanto isso governos e transmissões na TV constroem uma outra história para justificar o aparato militar e policial. Comentaristas e personalidades acadêmicas repetem banalidades ou versões peculiares sobre as causas dessa guerra. As políticas de Direitos Humanos são deturpadas. Frágil a nossa democracia.

Ai de ti Rio de Janeiro! Ai de nós cariocas!

Pagamos o elevado preço de tantos e tantos anos sem liberdades democráticas e quando as conquistamos não sabemos como nos livrar dos péssimos governantes, dos péssimos políticos, da péssima herança de violência e arbítrio militar- dos anos de chumbo- incrustada no imaginário policial. Da péssima herança que toda sociedade capitalista impõe.

Avançamos para um Estado policial? será essa a saída? As ruas vão continuar expondo a miséria, sob nossos olhares exauridos ou cegos por tanta injustiça social. Suportaremos mais hipocrisia e desapreço aos fatos históricos? É hora de repudiarmos o faz-de-conta premeditado e que não poderá ficar impune.

Ou vamos nos debruçar fundo em compreender os erros orientados pela sociedade capitalista excludente, submetida, neste transe, ao êxtase do espetáculo?

Business, business!

Varre-se tudo para debaixo do tapete, encontra-se alguns bodes expiatórios. Ninguém de boa vontade aceita as explicações veiculadas para os graves fatos. É hora de pagarmos mais uma fatura, de uma conta que não fizemos!

Quando esses políticos eleitos e reeleitos vão deixar os palanques e honrar os cargos para os quais foram indicados?

O povo solidário resiste.

Que o Domingo seja brando e o atual impasse resolvido sem grande derramamento de sangue.

Deixo meu abraço

Maysa

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

OS ACROBATAS - VINICIUS DE MORAES


Os acrobatas

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!


Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto, imensamente
IMENSAMENTE ALTO.





in Poemas, sonetos e baladas
in Antologia Poética
in Poesia completa e prosa: "O encontro do cotidiano"



Este poema é um dos meus preferidos . Na adolescência achava que a tradução de climax estava na estrofe em itálico. E com tanto individualismo como acreditar no amor?Na maturidade, malhereusemment, confirmo clímax, continua sendo a dois. Mais que isso: Alcançar o infinito só é possível através do êxtase que o amor oferece. Bom...Esse título é lindo:

"O encontro do cotidiano"

Beijo nos que passam por aqui.
Maysa



segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VIDA DE AVÓ É PLURAL










VIDA DE AVÓ É PLURAL


Aniversários, prêmios, vitórias, surpresas

Ontem, o dia foi curto prá tanta comemoração... Em nenhuma delas estive presente, de fato. Fiz agradável programação dominical, mas a existência do afeto nos leva e nos traz por caminhos simultâneos, não programados. Ganhamos o dom da ubiquidade!

Corações têm trânsito pleno, liberdade; esperanças inaugurais são tão boas como as renovadas.

Ser avó é também alcançar um estágio de absoluta doçura e celebração intensa. Da vida que pulsa que brilha nos olhos, no sorriso, e aparece até no choro desmensurado de toda manha infantil.

Tenho acompanhado com surpresas, e muito amor o crescimento de cada um dos quatro.

Aniversário duplo: Um neto e uma neta fazendo sete anos. Ô idade maravilhosa! Os aniversariantes são irmãos gêmeos. Temperamentos e travessuras bem diferentes. A menina bolou a coreografia do ballet moderno que dançou. Ficou bonito! O menino dedilha seu violão e se amarra num jogo de futebol. É rápido, agudo, certeiro.

Coisas de avó? Não eles são bons, alegres, saudáveis, criativos e...têm bons pais.Descubro a qualidade e a atenção do amor de avó, sinto-me um pouco sábia, tem uma plasticidade maior que o de mãe. Pelo menos comigo é assim. Vó é cúmplice. Sugere, não dá bronca e... Pasmem é ouvida.Sem você saber por que seus sentidos se alegram com uma pequena e única frase:

-Te amo vó!

É a declaração de amor mais passageira e verdadeira que se conhece!Faz sentido, eles crescem mudam os amores, mas você continuará parte dos afetos primeiros.

A primeira neta dedica-se com empenho ao que faz. E não faz pouco para seus oito anos... Estudo, piano, ballet, golfe, aulas, aulas. Tem tempo, ainda, para treinar com a bicicleta, escrever poemas, desenhar, ficar atenta as conversas dos adolescentes da escola.Ganhou quatro primeiros lugares, em torneios de golfe, nesse domingo encalorado.

A avó, nem sabia, estava solta na vida como diz a letra da juventude, do nosso Chico, aquele dos verdes olhos e muita poesia...

Querem saber? Ser avó é uma vocação.

Não, não esqueci da quarta neta a mais nova, a caçula...conquistou o segundo lugar em sua faixa de idade no golfe, mas conto aos que me lêem um caso. Em seus quatro anos ela atravessa plena crise por espaço, atenção de todos, resultando algumas de suas birras em proibições dos pais.

Depois de uns dias sem comer guloseimas, enfim, recupera esse direito sagrado, e logo se libera da privação, creio que de vez - desenha um lindo e colorido cartaz a que dá o nome: Chuva de pirulitos. E faz chover! chove do céu, das árvores, das mãos das crianças, em todas as cores e formatos de coração, espiral.

Continuo traçando planos bem variados para minha vida, na maturidade. Descobrindo ou valorizando anseios, mas as surpresas da abuelice são incontáveis e saborosas.São feitas de sonhos, sorrisos, lágrimas passageiras, situações cômicas; são dias de descobertas, muito aprendizado com os pequenos.

É de amor a tessitura desse quase retorno à infância.


Então, quem se habilita? O tédio não há de lhes visitar.

Abraços

Maysa

domingo, 21 de novembro de 2010

BÁRBARA PAIS - POESIA

foto delicate galeria Ezlost









Ilusão inalienável


Ora, quero lá saber de chuva,

Do vento que uiva lá fora,

Do rio furioso que transborda,

Dos raios, dos trovões,

De todas as intempéries!

Quero antes aquecer ilusões

À lareira, todos os serões,

De portas e janelas fechadas,

Para que as chuvas ácidas

Que afogam este mundo estranho

No meu mundo nunca entre nada!"



Assim


Se perguntam como vou

Nem sei se saberia saber dizer

que vou assim

como sei ir

sem pressas cada vez menos

sem pressas de chegar

a lugar algum

que saiba saber dizer

assim cada vez menos com um fim

sem pensar

somente a ver

com todos os sentidos

e a gostar

a gostar

( Os dois poemas estão in vida veritas, inédito, 2007)


À sombra das inscrições


Há nas sombras de todas as inscrições
ocultos medos de segredos
que se revelam à superfície da escrita

(in não sei falar de mim, inédito, 2008)

ooo

Um poeta amigo levou-me até a poesia de Bárbara Pais, poeta portuguesa. Agradeço aqui seu carinhoso gesto. Escolhendo algumas descubro um caminho cheio de surpresas, desafios de encantamentos e desesperanças.

Mais Bárbara Pais, no blog VER IN VERSO

http://www.verinverso.com

Um abraço e bom domingo para os que passam aqui n'O Ninho.

Que as chuvas ácidas fiquem suspensas, as tempestades se distanciem e o amor renasça e floresça dentro dos nossos corações amedrontados ...Aquecendo nossas ilusões .

Maysa


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

FLOR BELA ESPANCA- CONTO DE FADAS








Conto de fadas



Florbela Espanca

Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Como que sarei a minha própria dor.

Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...

Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.

Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
- Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A princesa do conto: "Era uma vez..."


Era uma vez ... quase sempre já aconteceu, mas seria bom repetir! Então, retomamos... O encantamento, a suavidade, o pudor, e o tempo irá se eternizando . As mágoas doerão menos, os sonhos voltarão e nós dormiremos serenos!

Maysa

terça-feira, 16 de novembro de 2010

PENSAMENTO PERSA











Há um caminho que vai do seu coração ao meu, e meu coraçao o conhece porque é claro e puro como a água. Quando a água esta plácida como um espelho, abraça a lua." Rumi,1307-87, Persia


domingo, 14 de novembro de 2010

DA MINHA INFÂNCIA SOBRAM LEMBRANÇAS...

" Brincando com os aneis da vovó." foto by cel fev.2010








DA MINHA INFÂNCIA SOBRAM LEMBRANÇAS.



Por Maysa Machado


Da minha infância sobram lembranças...

Não saudades.

Boas ou más. Curiosas, instigantes

Duras e acachapantes.As deliciosas

Da infância protegida

Por pai, mãe, única avó e madrinha.

Tia.

E muita fantasia...

Histórias do afeto

Encantamento com o mundo

Ainda não conhecido.

E depois... Metamorfoseado

Foi ficando pequeno

Igual ao pátio do jardim de infância

Revisitado.

Mundo que a 2000 não chegaria!

Da minha...

Sobram ensinamentos

Não certezas.

Somente alguns caminhos:

Ter coragem. Continuar lutando.

Ser digna, generosa.

Resistir à vilania.

Da minha infância sobram afetos

Misturados a ordens severas

Nem sempre bem cumpridas

Sobram culpas e tristezas

Mas fazer o que?

De saudades a minha infância não foi feita.

Elas não sobram. Foram todas reunidas

Num pacote único escrito:

Vida!



Santa Teresa, 14 de novembro de 2010


Com um abraço de Domingo!



Maysa

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

IPÊ AMARELO


Foto by cel Maysa Machado.11.2010





IPÊ AMARELO


Maysa Machado




Luzes e sombras

Do amarelo ao ouro

O Ipê se basta

Reluz tanto!

Seduz em seu canto.

Toma os verdes e azuis

Das terras e dos céus.

Singular entre tantos.

Vizinha a sombra

Guarda o frescor

Dos umbrais.


Santa Teresa, 11 de novembro de 2010.


Um abraço carinhoso aos que passam por aqui.

PS: Este IPÊ florido encanta a todos no Clube Itanhangá -Rio

Maysa

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ROSE- MARIE MURARO FAZ ANIVERSÁRIO






ROSE MARIE MURARO

FELIZ ANIVERSÁRIO COMPANHEIRA!



Por Maysa Machado*


Mulher corajosa. Obstinada. Bem resolvida e bem humorada. Convivemos em meados dos anos setenta, quando muitas mulheres empunharam a bandeira do feminismo.
Fomos todas, igualmente, corajosas pois não havia liberdade, nem Direitos Humanos.
O bipartidarismo não dava conta das questões políticas, havia o partido dos golpistas - ARENA e o MDB, uma frente.
Lutávamos, ainda, pela redemocratização, pela Anistia aos presos políticos do regime militar brasileiro. Nossa luta específica e a luta geral.
Aqui no Rio, no primeiro grupo, fundamos o Centro da Mulher Brasileira (CMB).
Discutíamos, refletíamos, criávamos nossas pautas de reivindicações.
ROSE estava lá, criativa, inquieta, sedutora, um pensamento sedutor!
Juntas, reconstruíamos nossos papéis sociais, os papéis sociais femininos, a igualdade na diferença.
MOEMA, BRANCA, SANTINHA, JAQUELINE, DIVA, EUNICE, BIA, CARMEN, ELI, BETH,LOURDINHA, MAYSA, HELONEIDA, NEOMI, COMBA, LEONOR, LUCIA, ÂNGELA, RITA ANDRÉA, HILDETE, ANA, LÚCIA HELENA, BERENICE, BERTINE, EVA, ADÉLIA, MARIA PAULA, SUELY, MARIA THERESA e tantas mais se conheciam e se descobriam nos grupos de reflexão, informais. Nossos prenomes nos bastavam.
ROSE sempre ativa.
O Movimento Feminista participou, construiu e ampliou a proposta de transformação da sociedade.
Nos anos 80, os partidos políticos custaram, mas incorporaram nossas propostas. Fazíamos a cada eleição a divulgação, no auditório da ABI, do ALERTA FEMINISTA PARA AS ELEIÇÕES.
O movimento só apoiava os candidatos que se comprometiam, prèviamente, com a pauta das mulheres organizadas.
Lutávamos, éramos felizes na luta. O mundo parecia nosso.
Fui uma das poucas a participar da fundação do PDT. Companheiras do movimento feminista se encantaram com o, também recém criado, PT e muitas já filiadas ao MDB, continuaram no então PMDB, que abrigava a maioria das mulheres comunistas.
Mais tarde ROSE teve uma passagem curta pelo PDT, até saiu candidata, mas não logrou eleger-se. Dizia que foi o tempo em que “se sentiu homem”!

ROSE faz aniversário hoje! Onze de novembro. Oitenta anos!
Os tempos gloriosos em que sonhávamos, e acreditávamos estar mudando o mundo passaram! As lembranças não, tampouco as vivências.
O que temos hoje em matéria de campanha eleitoral exitosa é a supremacia vencedora dos marqueteiros!
O militante devotado é um dado em extinção! Entrou em cena o assalariado ao dia! Aquele que com semblante desvitalizado, despossuído, empunha parado nas esquinas, das grandes cidades, um cartaz imenso com a foto gigante do candidato (a).
Nossas pautas tão completas estão feitas desde àquela época. Ousamos propostas igualitárias, socialistas. O processo aponta avanços e ameaçadores recuos.
O mundo mudou, encaretou e se expandiu! O pensamento humano mostra essa mudança no individualismo, no alheamento, na excludente competitividade.
A geléia geral, não só confunde como se apropria de reivindicações da luta social e tenta apagar o processo de conscientização e as margens que já se tinha sido atingido.
Somos uma nação consciente ou um continente de consumidores ansiosos?
Estamos aí para ver.
Já temos uma Presidente Mulher! Desejo que nossos sonhos e nossas lutas, também, a acompanhem em suas decisões e compromissos, na investidura do cargo que ocupará.

Quanto a nossa companheira, aniversariante, mulher impossível, escritora, editora, ativista política, mãe, amiga e cidadã brilhante: À ROSE O QUE É DE ROSE.

Saúde, alegria, amigos, amor e muitos livros para ler e escrever.

Com meu abraço afetuoso,

FELIZ ANIVERSÁRIO ROSE-MARIE

Maysa
Santa Teresa, 11.11.10




*A autora é socióloga. Foi militante no movimento social de mulheres e uma das precursoras do Movimento Feminista, no Rio de Janeiro; é uma das fundadoras do Centro da Mulher Brasileira - CMB; do Partido Democrático Trabalhista - PDT; membro do Comitê Brasileiro pela Anistia - CBA; membro do Grupo Tortura Nunca Mais - GTNM-RJ.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF OU DONA VIVI FAZ 101 ANOS.





BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF

OU

DONA VIVI FAZ 101 ANOS.


por Maysa Machado


Está lá. Repousa no mesmo quarto do seu apartamento no Leblon. Cabelos lisos e alvos, arrumados num gracioso rabo-de–cavalo, no alto da cabeça. Toda de branco. Poucos gestos. Econômicas respostas.

Encontrei-a, nesta manhã, ainda dormindo. Depois sonolenta, não estava para conversas, ouviu-me, nada comentou, nem sorriu.

Senti saudade dos olhos castanhos atentos a tudo e a todos, do sorriso brejeiro, encantador. Da mulher inquieta, apaixonada. Senti falta até da severa interlocutora, uma comunista das antigas, que muitas vezes assisti e convivi.

Da poetisa que viveu de braços dados ora como Vivi, a menina, ora como Beatriz, a mulher. Corajosa, lutadora, espirituosa com uma pitada amarga. Mas sempre solidária.Nunca a vi indiferente aos sofrimentos humanos ou aos sonhos e utopias. Jamais omissa aos anseios de uma sociedade fraterna, igualitária, socialista.

Recolhida, os olhos fechados, uma figura anciã, absorta em seu mundo interior. Um rico mundo sabemos nós.

Pensei: Muitas vezes ficamos assim, quer ouvindo uma sinfonia ou mesmo repensando fatos, histórias. Nada daqui de fora pode nos interessar. Quem alcançou a marca de 101 anos. Um século e mais 365 dias... Pode tudo!

Fui atraindo-a com canções, histórias dos bisnetos, devagarzinho fui trazendo notícias:

- Dona Canô está com 103, Oscar ( Niemayer, seu amigo) também! Você sempre em boa companhia... Hein?

Nada. Silêncio. Então, indaguei:

-Você sabe que temos uma mulher Presidente?

Ela me responde, sem abrir os olhos, mas com voz firme:

-Não.

Discorri sobre o desfecho da campanha.

Ficou mais atenta.

Falei sobre a candidata vitoriosa, sua história de vida e luta. Ambas presas políticas.

Fiz conjeturas sobre o que poderá significar uma mulher na direção de nosso país.

Ouviu-me. Serena e ausente já não mais se agita pelos fatos corriqueiros ou ao que emprestamos importância.

Cumpriu com garbo, com coragem, o seu papel de cidadã, de brasileira, de militante comunista. Cumpriu com integral solidariedade os seus papéis de mulher, mãe, esposa, amiga, avó, tia, irmã. Professora, poetisa. Foi além: Transformou.

Não se queixa de nada, não se cansa por nada. Esvai-se, deixando plantadas sementes. Algumas recolhi.

As outras vão continuar se espalhando para os jovens recolherem e replantarem.

É de uma vida cheia de sonhos, poesia, ideais, perdas e coerência o legado de BEATRIZ VICÊNCIA BANDEIRA RYFF

Com curiosidade e alegria os cinco bisnetos - idades entre oito anos e quase dois anos- repetem:

- Minha bisa faz 101 anos!

Reforço a notícia com o delicioso detalhe:

-Ela diz que foi amamentada com música e alfabetizada com poesia.

Deixo para contar depois, junto aos meus netos, a história da menina ligada em poesia e em transformação social. A mulher-menina que conduziu granadas sorrindo. A última presa política, do período Vargas(1935), viva.

Amiga de tantas e tantas pessoas que amaram, como ela, seu país e lutaram por mudanças, por novos dias, por olhares de igualdade. Algumas deram suas vidas. Não erraram em suas escolhas, mas há muito por continuar a fazer.

Militante comunista, viúva do companheiro, de toda a vida, Raul Ryff. Apaixonada por ele tanto quanto por seus ideais. Uma mulher pioneira.

Assim, Beatriz ou Dona Vivi chega aos 101 anos.

Santa Teresa, 08 de novembro de 2010


A todos meu carinhoso abraço

Maysa





terça-feira, 2 de novembro de 2010

AUGUSTO DOS ANJOS - O FIM DAS COISAS -














O Fim das Coisas

de

Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar num triunfo supreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo dorbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio…

E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!


É, Augusto dos Anjos , assusta e encanta nossos fantasmas. Quem de nós não ficou com a respiração ofegante em cada estrofe, em cada cilada que a vida arma e a vida desmonta?

Abraço neste feriado criado para a íntima reflexão.

Maysa