quarta-feira, 1 de maio de 2013

1º DE MAIO- SANTA TERESA EM OBRAS - Maysa Machado













1º DE MAIO - SANTA TERESA EM OBRAS

Maysa Machado


O bairro até que era bucólico, diferente, musical, artístico. Isso nos anos 70, 80, e prolongando, ainda boêmio, até o final do século passado, vá lá.
Hoje, como em quase toda a cidade, o carioca tropeça em obras, é arrancado de seu sono, vive de susto em susto.
 Santa Teresa está sendo ocupada por outras vocações.  Ganhar dinheiro, em curto prazo, através dos empreendimentos, na sua maioria de fachada internacional.
Os jovens artistas sonhadores já não a representam, e a falta de música instrumental, em seus bares, dos sons que despontavam primeiro por aqui é substituída pela histeria urbana do lucro que embaralha e embrulha ganhos e as antigas vocações.
Santa Teresa é  preferida para horas de lazer. Hotéis, pousadas, hostels, cama e café. Alguns, turistas transformam-se em empreendedores estrangeiros, ávidos com as possibilidades de sucesso econômico.
Assistimos ao comportamento predador de acesso ao bairro, na condição de “donos”, tratam das suas vidas e propriedades sem olhar e respeitar o entorno, sem curiosidade em conhecer os hábitos. Obras atrás de obras.
 Aqui na velha travessa, com trechos cada vez menores do calçamento tipo pé de moleque, durante uns quatro anos, não entrávamos nem saíamos de casa quando queríamos. Em nosso ir e vir enormes caminhões, caçambas de entulhos, peões, serviços e horários variados.
Um tormento.
Agora, mais outra obra nos tira o sossego. Os proprietários não estão perto cotidianamente. O conhecido tormento se reinstala e a sensação recorrente, há mais de seis meses. De novo, somos deixados como que à beira da estrada, atingidos com o excesso de poeira e barulhos de toda sorte e oscilantes decibéis.
Pergunto-me: Moro ou não em área residencial?
Será que em todo canto do mundo é assim? Não existe lei para preservar, ainda que minimamente, o direito dos habitantes?
Há uma torcida, em silêncio, todos os dias, para que chegue o fim das tardes e sejam de que estações do ano forem, quando o turno de trabalho termina.
Resta-nos a trabalheira, esta sim sem fim, para limpar a poeira, e no dia seguinte tudo recomeçar. Eu, cuja casa fica defronte da movimentação mais intensa, tenho pesadelos com o som da maquita, das serras elétricas e tudo junto e misturado com a falta de educação dos trabalhadores, dos operários, que se comunicam aos berros, na alegria e no palavreado chulo.
Não acordamos quando o sono acaba. Somos arrancados das camas, por aqui não há descanso nem feriados.
Hoje, Primeiro de Maio, feriado internacional do Dia do Trabalho, todo o ritual se repete. Nem acreditei, antes das oito, a parafernália em ação. Poeira, barulhos, estrondos, berros.
O que é ser cidadão? O que nos assegura o poder público?
Janelas fechadas trazem um pouco da privacidade perdida, mas sustentam toda a sorte de péssima qualidade de vida; os ácaros e a poeira fazem a festa. As alergias, inclusive, as respiratórias, tiram o ritmo da vida, abalam a saúde e o bolso.
 Se chove o medo surge, pois a topografia irregular e íngreme do terreno vizinho está sendo revolvida, radicalmente, por manobras e novas destinações humanas.
 Estas não cogitam os pés de jabuticabas, os mamoeiros, a tangerineiras, os abacateiros, sequer os pássaros, os saguis, os gambás, animais que ocupavam um resto de mata.
Antes, o sol para ser visto e brilhar até as varandas dos quartos, precisava da ajuda da brisa e do companheirismo das folhas lhe dando passagem por entre os movimentos suaves, trazendo os raios das manhãs ou as despedidas dos fins de tarde.
Quem quer saber disso? Os operários? Os novos proprietários?
 A pressa urbana em derrubar árvores, em gritar ao invés de falar, em trabalhar em horários de descanso dos que moram é preponderante.
Qual o destino do bairro residencial de Santa Teresa?
Obras economicamente viáveis, mas cultural e historicamente desviadas de um modo saudável de viver que se quer anular, dia a dia.
Vejo da minha janela, nos poucos momentos em que abro o desespero, a agitação das aves, a busca do pouso, o vazio do galho partido, a falta da árvore tombada.

Não isso não pode ser confundido com progresso, melhoria, respeito humano e ações sustentáveis.
Um nome parecido com distância, alheamento, despreparo. Falta de cidadania.

Santa Teresa, 1 de maio de 2013.

Um abraço para os que conseguiram comemorar o feriado.
Em tempo: Por aqui não vi, até agora, nenhum operário, da obra vizinha, portando luvas, capacetes e outros cuidados preventivos sobre acidentes no trabalho ou com a saúde do trabalhador. Tampouco alguma placa indicando a licença para a obra instalada.

Maysa

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