terça-feira, 10 de agosto de 2010

A TERRA DOS MENINOS PELADOS - GRACILIANO RAMOS




A leitura é capaz de despertar mundos adormecidos, saberes esquecidos, alguns guardados na memória da infância.
Mas é possível que faça aflorar, em aprendizado insólito, lições perdidas pela vida à fora.
Reli, com muito saboreio, A terra dos meninos pelados, do velho Graça(1892-1953) referência carinhosa a que me acostumei, no tratamento dado pelos que com ele conviveram, parentes ou amigos.
Nesse livro, Graciliano Ramos, traz o tema da diferença.
"Havia um menino diferente dos outros meninos: tinha o olho direito preto, o esquerdo azul e a cabeça pelada. Os vizinhos mangavam dele e gritavam:
- Ó pelado!" (p.7)
A pungência da solidão humana é vista com os recursos da imaginação fértil , então, inventa um país: Tatipirun.
Aguardo, com certa ansiedade, o momento de sugerir essa leitura para meus netos.
As crianças irão aproveitá-la e saborear a narrativa peculiar de Graça. À começar por expressões e verbos empregados traduzindo o jeito nordestino de contar uma história universal.
A arte que tudo transforma, torna possível o sonho, abre caminhos para se acreditar num país onde a diferença não poderá jamais ser punida.
Impossível, deixar de revisitar minha infância, a de filha de pai alagoano. Aquele mesmo estranhamento provado pela menina urbana, ao ouvir os verbos "mangar, debicar, troçar, bolir, sapecar", aprendidos em casa, mas jamais ouvidos na escola.

"Isso é uma arenga besta!" (pag.54), no dizer de Caralâmpia, a menina princesa de Tatipirun. Homenagem de Graça feita à amiga e conterrânea Nise da Silveira, que tinha esse apelido na infância.
É a fala de sertanejo, apregoada e depreciada, tanto tempo, por caipira.
O inusitado prazer sentido ao reler as peripécias do menino Raimundo que inventa seus iguais. E deixa de ser olhado com desprezo, desconfiança.
Ou a troça com a velhice na fala da guariba paleolítica:

" - Como é, sinha Guariba? A senhora, com essa cara, deve conhecer história antiga. Espiche uns casos da sua mocidade.
- Eu não tive isso não, meu filho. Sempre fui assim.
- Assim coroca e reumática? estranhou Raimundo.
- Assim como vocês estão vendo.
- Foi nada! A senhora antigamente era aprumada e vistosa. Sapeque aí umas guerras do Carlos Magno.
-Eu sei lá! Estou esquecida. Sou uma guariba paleolítica.
- Paleo quê?
- Lítica "
(pag.59, 60)


O excelente projeto gráfico e ilustrações são de Roger Mello. Ed. Record, 37ª edição. 2008

Para os mais jovens deixo aqui como sugestão de bibliografia, sobre o autor, visitar o endereço: http://www.releituras.com/graciramos_bio.asp
Um carinhoso abraço
Maysa

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