segunda-feira, 7 de setembro de 2009

PÁTRIA MINHA - VINICIUS de MORAES






Pátria Minha


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."

"Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.


O poeta Vinicius de Moraes foi , na minha adolescência, o homem mais querido e importante que tive , depois de meu pai. Um ídolo tem presença mesmo quando a distância não pode ser transformada em convívio.
Virou pesadelo dos cuidados maternos e até promessas para, a menina que eu fui, nunca chegar à conhecê-lo foram evocadas.
Hoje, muitos 7 de setembros depois, me presenteio e compartilho com vocês, a poesia , a delicadeza de um um homem que soube me encantar desde os 14 anos. A arte tem esse dom. Mas se viver é um dom, encantêmo-nos!

Para sempre, Vinicius viverá em cada adolescência precoce ou tardia, em cada saudade das muitas formas do amor .
Aqui, nossa pátria tão envergonhada, pelo momento em que exilava, dentro ou fora, os brasileiros que não comungavam com o regime , a voz do poeta nos representa, com o mesmo amor e saudade ...do que não foi... possível.

Hoje, o poema ressurge com todo o afeto que se encerra em nosso peito juvenil ! Não ficou datado.

Talvez fosse possível um manifesto de amor à nossa patriazinha querida, amada , quem sabe na próxima campanha política ! Excluindo os governantes que nos envergonham, nos roubam, trapaceiam.
Os políticos que não respeitam os direitos dos brasileiros à educação, saúde, cidadania...a alegria, por que não?
O poema de Vinicius poderia ser o primeiro passo para o manifesto. Cartilha, beabá para todo homem( mulher) público(a).
Pois é do amor ao Brasil que trata. É de um sentimento genuíno de afeto que faz muita falta em nossas vidas e no nosso dia a dia .

Porisso repito Vinicius:

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.


Por último:
Conselho de carioca, que não gosta de alimentar tristeza, cliquem
aqui está muito mais para luz, sal e água!


Beijos

Maysa

4 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Vinícius e Cecília.
Que companhia maravilhosa e que maneira mais lírica de passar um sete de setembro.
Parabéns pela lembrança!
Abraços fraternos.

Alfredo Rangel disse...

Maysa, só pude te ler hoje e, feliz, corri para cá. Pra te dizer que nada é mais conveniente em data nacional do que Vinicius. Quanto ao café, quero saboreá-lo com vc, sim. Lentamente. Para que o sabor dele seja completo...
Total.

Beijo

Rangel

Maysa disse...

Érico
Muito me comoveu a postagem, do dia 7, sobre o desaparecimento e morte do Tenorinho, pianista brasileiro, lá nos porões da ditadura argentina.
V. querido,lembrou no "Independence day" tupiniquim a tempestade!
Eu postei o delicado e sofrido poema do Mestre Vina, um Ninho diante de todo aquele horror.
Beijos e parabéns mais uma vez pelo excelente blog.
Maysa

Maysa disse...

Querido Rangel,

demorei tanto a responder que agora posto, em sua homenagem, um fado especial para o poeta que me visita. Muito honrada, vamos saborear em breve o café ouvindo fado!
Espero que goste!
Abc
Maysa