
Sabiá com Trevas
IX
O poema é antes de tudo um inutensílio.
Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.
Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.
Faz bem uma janela aberta.
Uma veia aberta.
Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
Enquanto vida houver
Ninguém é pai de um poema sem morrer
ARRANJOS PARA ASSOBIO, 1982,
in Gramática Expositiva do Chão,
Editora Civilização Brasileira, 1990.
Retrato quase apagado em que se pode ver
perfeitamente nada
I
Não tenho bens de acontecimentos.
O que não sei fazer desconto nas palavras.
Entesouro frases. Por exemplo:
- Imagens são palavras que nos faltaram.
- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.
- Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.
Ai frases de pensar!
Pensar é uma pedreira. Estou sendo.
Me acho em petição de lata (frase encontrada no
lixo) Concluindo: há pessoas que se compõem de
atos, ruídos, retratos.
Outras de palavras.
Poetas e tontos se compõem com palavras.
(...)
V
Escrever nem uma coisa
Nem outra -
A fim de dizer todas -
Ou, pelo menos, nenhumas.
Assim,
Ao poeta faz bem
Desexplicar -
Tanto quanto escurecer acende os vagalumes.
(...)
VII
O sentido normal das palavras não faz bem ao
poema. Há que se dar um gosto incasto aos termos.
Haver com eles um relacionamento voluptuoso.
Talvez corrompê-los até a quimera.
Escurecer as relações entre os termos em vez de
aclará-los.
Não existir mais rei nem regências.
Uma certa liberdade com a luxúria convém.
O GUARDADOR DE ÁGUAS, 1989,
in Gramática Expostiva do Chão,
Editora Civilização Brasileira, 1990.
Faz tempo penso nesse homem especial, em sua poesia intrigante. Aprendo e descubro sendas na desconstrução do que insisto em levantar, afirmar, negar ...ver.
Repetindo um querido amigo:
"Como a gente precisa de um muito de poesia para viver".
Se quiser, um pouco mais dessa água cristalina pode clicar e saciar a sede:
http://www.releituras.com/manoeldebarros_bio.asp
bjs
Maysa








