Alguns dos que passam por aqui n' O Ninho e a Tempestade sabem que sou leitora assídua do Caderno Prosa & Verso, aos sábados. O jornal - O Globo- circula em quase todas as capitais do país.
Essa manhã me delicio com o artigo do poeta Carlito Azevedo (1), os poemas de Ana Martins Marques (2), e as ilustrações de Alvim.
Desperto bem. O texto de apresentação - Paisagem, travessia e símbolo - flui, o poeta, crítico e editor não podia nos oferecer instigação maior que as reflexões provindas dos poemas de Ana, no livro "A vida submarina".
“Ana em verdade nos fala da impossibilidade do pleno florescimento de cada desejo genuíno, do "ainda não" da vida real, da queda em si das consciências desencantadas. Um olho para as noções cristalinas e outro para o barro do humano" (in, pag. 3 do Prosa & Verso-sábado, 26.03.2011).
Viajo no tempo e na poesia da vida. Bem jovem, já casada, fazendo mestrado na USP, em S.Paulo, prosseguia meu aprendizado, na Maison de France. Na apresentação entre os estudantes, nossa profª - ao saber meu estado civil - indaga se já tinha filhos. Minha resposta valeu-me um apelido inusitado: madame pas encore.
E é, justamente, com esse ainda não da vida real, que algumas vezes nos encontramos, é com ele que precisamos ajustar as contas do desejo e do fazer.
Ana nos diz:
"Não tenho muita rotina para escrever. Acho que a poesia é uma forma de atenção, um modo de olhar as coisas. Sempre levo um caderno e lápis na bolsa e vou anotando o que aparece: pode ser uma imagem, uma palavra, uma citação; com alguma sorte, um poema inteiro. O resto é trabalho de reescrita. Acho que a leitura e a escrita possibilitam uma relação diferente com a linguagem e também com o tempo, uma relação não pragmática, e abrem assim um espaço de liberdade que eu considero essencial."
Sugiro a leitura na íntegra da entrevista dada por Ana Martins Marques, ano passado ao Caderno Ilustríssima da Folha aqui.
Fiquem atentos com a poesia contemporânea, que brota em Minas, produzida por mulheres jovens escritoras... Compartilho com todos os seguidores deste blog, meu especial carinho para os d’além mar, a poesia de Ana:
ÍCARO
Somos os dois
Incompatíveis
como a cera
e o sol
e no entanto
parecemo-nos
como se parecem
o açúcar e o sal
devemos
porém
deixar
de insistir
pois se até
Ícaro
caiu
em si.
MÃOS
Uma trabalha mais que a outra.
Dividem o peso dos anéis.
Uma nunca aprendeu a escrever.
Com isso a outra tornou-se mais silenciosa,
mais firme, mais acostumada ao adeus.
Em alguns gestos entram as duas
numa mesma coreografia
como quando é necessário contar algo
mais que cinco.
Aceitam as manchas dos anos
como solteironas
que envelhecem juntas.
(1) Carlito Azevedo- Poeta carioca, primeiro livro Collapsus Linguae (1991), com o qual ganhou o prêmio Jabuti. Em 2001, reuniu seus poemas na antologia Sublunar (1991-2001). Monodrama (2009) é seu mais recente livro de poesia.
(2) Ana Martins Marques- Poeta mineira. Cito aqui poemas publicados no livro A vida submarina (Editora Scriptum, 2009).Mais Ana aqui .
Não esqueçam a poesia cotidiana que a vida sempre nos oferece.
Meu carinhoso abraço de sábado, o último deste outono, ainda em março.
Maysa